quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Chico Buarque: vai passar...

Vocês viram o vídeo que está rolando de uns caras abordando de maneira ofensiva Chico Buarque quando ele saía de um restaurante? Eu achei pavoroso. E você?

No vídeo as ofensas eram destinadas ao PT. E para você, isso interfere em sua opinião?  

Se sim, você quer dizer que um cidadão não pode mais jantar com seus amigos e sair andando tranquilamente pela rua simplesmente porque a opinião dele é diferente da sua, e que por isso ele vira um "merda" para você que se acha dono da verdade?

Se sim, preciso te dizer que você está muito equivocado - e aqui assumindo o risco de virar um merda pra você também. E está equivocado não em concordar com o que aqueles caras falaram sobre o PT. Isso você tem o direito. Todos temos. Assim como temos o dever de respeitar o diferente, de nos expressarmos mas de maneira respeitosa ainda mais quando o "grave" que essa pessoa fez foi colocar sua opinião.

Quando alguém se acha no direito de abordar de maneira agressiva alguém na rua simplesmente porque pensa diferente está minando a democracia. Em tempos que pessoas defendem a volta da ditadura - sem terem a dimensão do quanto de problemas e de corrupção, os quais temos até hoje desde essa época isso sem falar na violência toda que envolve esse tipo de governo - banalizar situações como essa é ainda mais perigoso.  Agora, se você achou aquela uma discussão normal então você precisa ampliar seu repertório, estar entre gente mais cuidadosa, porque aquilo em nada teve de embate de ideias respeitoso e saudável.

O fato de ser o Chico torna apenas a questão mais emblemática, porque se até ele - acho que dispensa falar de seu currículo, de sua postura ética na vida e de sua luta para que possamos nos expressar -  vem sofrendo esse tipo de agressão imagina uma outra pessoa? O que estamos fazendo quando banalizamos situações como essa de "tudo bem", "se não está devendo nada não tem o que esconder" ou "se ele lutou tanto pela liberdade de expressão agora aguenta"? Liberdade de expressão não tem a ver com soltar merda por aí mas de podemos nos colocar e sermos respeitados por isso desde que nossas colocações sejam pautadas na ética do coletivo e da integridade humana. E não foi o que ocorreu naquela cena.

Quando a mídia vende essa cena como "Chico bateu boca defendendo o PT" ela também revela o quanto está fomentando um cenário de polarização em que temos que nos armar uns contra os outros que pensam diferente. Chico foi abordado e tentou colocar seu ponto de vista, mas não conseguiu, foi logo insultado. Se nem no cenário do futebol uma cena dessas é aceitável quanto mais na política que não deveria funcionar assim. É verdade que muitos petistas também já abordaram gente do mesmo modo. E aqui reforço, também estão equivocados ao não preservarem o direito do outro se colocar.

Agora, se você respondeu SIM e ainda está me lendo, é porque isso faz algum sentido, não? Então continue a leitura que tem mais gente querendo falar a respeito. E vale a pena! Um outro mundo é possível desde que nos respeitemos e possamos juntos, cada um do seu lugar, contribuir para a construção de uma outra nação mais solidária. Eu também quero.


Outros relatos: Pablo Villaça

Em um momento de lazer, Chico Buarque de Hollanda foi cercado no meio da rua por um grupo de jovens ligados ao PSDB e insultado por "defender o PT". Aparentemente, estes projetos de fascistas não compreendem que TODOS temos o direito de expressar nossas opiniões políticas, agradem estas ou não. Chico, que nem político é, foi agredido por se manifestar como cidadão - algo que os veículos da mídia manchetearam como (acreditem) "Chico bate boca defendendo o PT no meio da rua: cantor retrucou grupo que atacou o partido".
Não, jornalixo brasileiro, o grupo não "atacou o partido"; atacou CHICO num momento de lazer e no meio da rua. E ele não "bateu boca pelo PT"; foi cercado e insultado por estranhos e defendeu sua posição ideológica.
O cara é um patrimônio cultural do país, um senhor de mais de 70 anos de idade, é cercado e insultado por um bando de moleques fascistas e a mídia trata isto não só com normalidade, mas ainda tentando atribuir a ELE a falta de civilidade da situação à qual foi submetido.
Os veículos de comunicação brasileiros estão esperando alguém morrer graças ao clima de ódio que ajudam a criar. Aí, então, começarão a publicar matérias sobre "tolerância" pra se isentarem de culpa. (Não à toa, um colunista demitido de Veja publicou foto malhando e dizendo que se preparava para a "única forma de dialogar com petista", num estímulo irresponsável à violência e à agressão como forma de "debate".)
A verdade é que esses caras têm alma fascista. Não suportam mais a distância do poder e usam "corrupção" como um chavão que disfarça seu propósito real: o não à inclusão social. Se a questão fosse mesmo "corrupção", não abraçariam Cunha como aliado. Protestariam também contra a privataria tucana, o aecioporto e a roubalheira no metrô de São Paulo.
Mas não, o panelaço é seletivo: Alckmin pode fechar 100 escolas; Haddad não pode abrir a Paulista. São milhões de Cunha; já Chico é um "merda".
Aplaudem Macri na Argentina, que indica ministro de Supremo por decreto, mas atacam o STF brasileiro por defender a Constituição numa interpretação que ganhou apoio de praticamente todos os juristas de relevo ao barrar os abusos do presidente da Câmara.
Acham absurdo o bolsa-família que ajuda o povo mais pobre a COMER, mas aplaudem que os ricos paguem impostos ridículos, significativamente menores do que o restante da população.
Querem uma desregulamentação completa do mercado e depois vêm colocar avatarzinho triste por Mariana.
Dizem que vivemos numa "ditadura petista" enquanto cercam um músico de 71 anos na rua para insultá-lo por se expressar como cidadão.
Saem pedindo impeachment no aniversário do AI-5 e se espantam quando são chamados de golpistas.
Acusam a esquerda de "burrice", mas usam "pão com mortadela" e "chola mais" como argumento.
Abraçam a bandeira brasileira e colocam "PATRIOTA!!!" na bio, mas são os primeiros a diminuir o país num viralatismo constante diante do mundo, além de adorarem falar mal do Cinema brasileiro - que conhecem só de ouvir falar.
Amam quando um comediante chama negro de "macaco", gays de "vitimistas" e mulheres de "vadias", mas dizem que os homens brancos cis heterossexuais sofrem preconceito.
Dizem que a esquerda prega "luta de classes", mas chamam esquerdistas de "pão com mortadela" e "esquerda caviar".
Adoram se dizer éticos, mas acham natural que o líder do MBL peça doações em sua conta pessoal.
Acham certo a PM espancar manifestantes (mesmo adolescentes), que chamam de "vagabundos", mas só conhecem a PM que tira selfie na Paulista.
Por isso tenho orgulho de ser de esquerda. De fazer críticas ao governo que se afastou dos movimentos sociais, mas de defendê-lo contra o golpe - pois, mesmo com todas as suas graves falhas, AINDA enxergo nele uma preocupação com os excluídos sociais que JAMAIS serão abraçados por esta oposição.
Uma oposição que prega que quem manda é o "deus mercado". Não, me desculpem, mas prefiro bem mais quem enxerga no desenvolvimentismo a opção mais humana.
Para encerrar - e com a maquiagem borrada pelas lágrimas - digo: "LEAVE CHICO ALONE!". Emoticon wink
E viva o debate saudável.


Outros relatos: Irajá Menezes

ESTORVO NAS RAÍZES DO BRASIL
Ontem à noite, pros lados do Leblon, Chico Buarque avistou-se com o brasileiro cordial.
Chico manteve a calma, não perdeu a elegância. Na verdade, não houve surpresa. É que Chico conhece como ninguém o brasileiro cordial.
Não apenas porque foi seu pai quem explicou que bicho é esse. Isso, por certo, ajudou.
O fato é que o poeta de olhos cor de ardósia não é de contar vantagem, mas todo mundo sabe que percebe de longe a cordialidade. Afinal foi ele quem descreveu com mais detalhes o brasileiro cordial.
O brasileiro cordial é aquele que fotografa com a câmera cujo foco toda lírica solapa.
Aquele que amassou as rosas, queimou as fotos e beijou Lily Brown no altar.
O brasileiro cordial é a voz do dono. É o dono do bosque onde todo balão caía, toda maçã nascia (e o dono do bosque nem via). Aquele que deve a Deus seu éden tropical, mas pode vender. Quanto você dá?
Foi o brasileiro cordial que inventou de inventar toda a escuridão. Que inventou o pecado.
Foi ele que obrigou Angélica arrumar o quarto do filho que já morreu.
E esqueceu-se de inventar o perdão.
O brasileiro cordial é um dos pagantes, bêbados e febris, exigindo bis quando Beatriz despenca do céu. É um dos homens tristes, à frente de uma mulher feliz, enrustido, com cara de marido. O bruto da brasa na coxa de Ana de Amsterdam. O japonês trás de mim. É ele quem bate, cospe, joga bosta na Geni.
Ele é o noivo correto, o empregado discreto, o macho irrequieto, o funcionário completo, fala de cianureto, tem um caso secreto, um velho projeto, às vezes cede um afeto, quase que fez fortuna. Até que a morte os una, os brasileiros cordiais armaram tocaia lá na curva do rio. Puseram no tronco, talharam o corpo, furaram os olhos do escravo que no engenho enfeitiçou Sinhá.
Para ele vivem as mulheres de Atenas. É ele que faz mil perguntas que em vidas que andam juntas ninguém faz. Que conta as horas nas demoras por aí.
Tatuagem no braço e dourado no dente, assim como veio partiu não se sabe pra onde. É o aborígene do lodo, o homem que vem aí. O malandro regular, profissional, com aparato de malandro oficial, candidato a malandro federal, com retrato na coluna social, com contrato, com gravata e capital.
O brasileiro cordial.
O brasileiro cordial reclama se alguém agoniza no meio do passeio público, porque atrapalha o tráfego. Serve a bebida amarga do cálice de vinho tinto de sangue.
É a ele que agradecemos: "Deus lhe pague" por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, a certidão pra nascer e a concessão pra sorrir, por me deixar respirar, por me deixar existir. Deus lhe pague, brasileiro cordial.
Obriga o jumento a levar o pão, a farinha, feijão, carne seca, limão, mexerica, mamão, melancia, areia, cimento, tijolo, a pedreira até quando a carcaça ameaça rachar.
É o da pesada, responsável pela omissão um tanto forçada. Largou o guri no mato, rindo, lindo de papo pro ar. Estampou na manchete, retrato com venda nos olhos, legenda e as iniciais.
Fez alvoroço demais, o brasileiro cordial.
Fez o faz-de-conta terminar numa noite que não tem mais fim.
Subtraiu a pátria em tenebrosas transações.
Acendeu a fogueira que queimou o samba, a viola, a roseira. O brasileiro cordial é a roda-viva que carrega o destino pra lá.
O brasileiro cordial não gosta do Chico. Mas a filha gosta.
Mesmo que não se alimente o seu gênio ruim, encontra motivo pra injuriar.
É um eterno devedor. Deve favores ao compadrio. Deve honras ao padrinho. Por isso sai na rua, sedento para saldar as dívidas.
Chico escreveu um livro sobre ele. E mostrou que o brasileiro cordial está no asilo, nos últimos dias de vida. Sua memória já se embaralhou. Perdeu a conta.
O brasileiro cordial chora o leite derramado. Tem medo que aquele trem de candango, formando um bando de orangotango, não seja apenas parte de um sonho medonho e queira mesmo lhe pegar.
Será que é por isso que ataca?
Se há alguém que sabe quem é o brasileiro cordial, esse alguém é Chico Buarque de Holanda.
Os playboys fascistas que o aborreceram, ao contrário, não fazem a menor ideia de quem seja Chico Buarque de Holanda. Se soubessem não pagariam mico em rede nacional.
O brasileiro cordial cansa. É tanta mutreta pra levar a situação, que a gente vai levando de teimoso e de pirraça.
Mas... vai passar.

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