quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Quatro olhos



 

Por um tempo desejei ter quatro olhos...

Saber que eu tinha dois pares de olhos me fitando profundamente sem poder retribuir à altura – com um olhar profundo, penetrante, num tempo a perder de vista me causava uma aflição sem fim. Olhava pra uma, depois pra outra, pra outra, depois pra uma. Medo dessa divisão não ser suficiente, de não conseguir estar inteira com cada uma, de nossa relação ser sempre com base na falta.

No dia a dia, nesses encontros e desencontros, nós 3 fomos nos conhecendo, nos afinando, construindo nossas maneiras de interagir, dentro das possibilidades. Nesse processo, fui me deslumbrando com minhas meninas, com as duas e com cada uma em principalmente como havia de naturalidade e generosidade por parte delas para com a mãe que desejava se multiplicar, mas não podia. Não pelo menos naquele início de construção e de afirmação.

Outro maravilhamento me aconteceu à medida em que, com muito empenho, consegui também ser mais generosa comigo mesma, nos momentos necessários de escolha “para quem olhar”, e a agir com naturalidade diante desse meu contexto familiar repleto de afeto.

Assim, fui percebendo que posso sim me multiplicar, tendo até mesmo seis olhos! É uma questão de estar em sintonia com meus pequenos, de estar focada no que é essencial, e tomar decisões. Essa parte, em nada uma tarefa fácil, contudo, tomar consciência de que as escolhas podem me favorecer ao invés de me limitar foi para mim uma mudança de paradigma interna.
 

“o professor é a pessoa; que a pessoa é o professor; que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais; que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Dessa forma, discute-se a importância de os professores se prepararem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de auto-reflexão e de auto-análise.” (Antonio Nóvoa)
 


Iniciar, neste ano, o desafio como orientadora me fez relembrar esse meu desejo de outrora, uma vez que recebi 288 olhinhos de uma vez só... Sem mencionar os olhos das professoras, dos pais... Tamanha emoção e orgulho em ter sido para eles uma espécie de anfitriã a um novo ambiente, a um mundo de novas possibilidades, em suas potencialidades ainda mais potentes. Da mesma maneira eles também foram anfitriões para mim, nessa nova função em que muitas vezes só é possível ver por meio dos olhos dos outros nesse processo de outramento.

As transformações em nós mesmos são do tipo “caminho sem volta”. Portanto, sabia da possibilidade de eu me multiplicar. Por outro lado, também fui multiplicando meus olhares, podendo reconhecer que fazer escolhas de olho no olho, do mesmo modo, é essencial, principalmente quando tomo dimensão do desafio da escolha – tenho refletido e vivido intensamente que ao invés dela nos aprisionar ela pode nos libertar, vide nossa recente vivência de eleição para presidente. Nesse sentido, poderia ter apenas um olho só ou mesmo nenhum, desde que eu continue encharcada no desejo de ver além do que vejo, ou melhor, de sentir além dos meus sentidos, no campo de experimentação – meu, do outro, nosso.

Uma conexão que exige de nós presença e seriedade para a tomada das decisões nesse nosso papel de escola que tem o compromisso de possibilitar que cada um dos seres que compõem a escola, inclusive nós mesmos, por meio de um contexto coletivo de trocas de olhares, saiamos diferentes das experiências. Tomando consciência de nossos erros, acertos, medos, alegrias, semelhanças e diferenças, com uma visão mais ampla de cada um de nós, do outro, da gente junto, da gente se reconhecendo, se pertencendo, nesse mundo tão grande, diverso, que pode ser olhado e sentido de diversas maneiras, e que precisa estar dentro da escola assim como a escola como parte desse mundo.  Mundo maior.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

12 anos de amor e luta

Ontem (já passou da meia noite) fez 12 anos que eu e Luiz começamos nossa história juntos...

Foi na Av. Paulista, em meio à comemoração da primeira vitória do Lula para presidente, "a esperança venceu  medo" era o que mais falávamos, cantávamos, sonhávamos, e nesse clima de festa demos nosso primeiro beijo. O primeiro de muitos. Uma história de amor que nasceu em meio a um desejo de boa parte da população de fazer diferente, de mudar a história do país de desigualdades, de opressão... Assim, uma história de amor e luta. Hoje, se pudesse voltar no tempo faria tudo igual.

Desde então muita coisa aconteceu...

Eu e Luiz começamos um namoro de muitas histórias, risos, choros, beijos e abraços... Já não somos mais jovens, temos nossos cabelos brancos (quer dizer, Luiz já tinha alguns fios quando o conheci...rs), alguns de nossos sonhos se concretizaram, outros mataram, outros nós fizemos acontecer e ainda outros foram substituídos com a maturidade... Isso sem falar nas boas surpresas da vida: ganhamos 3 filhotes lindos, nossos maiores presentes divinos!!! Todo meu amor ao meu companheiro de vida, e à família que construímos.

Com o governo do Lula, muitas alegrias, infelizmente, na mesma proporção também decepções. Ver o partido que tanto se diferenciava da direita atuar com o mesmo tipo de política que criticávamos foi um golpe duro, mas não fatal.

Mas minha decisão é de ficar bem. Nas vezes em que ainda não estou, certamente estou em busca. Essa é a minha maior vocação: ser feliz.

Assim, em meio a um processo que já havia iniciado faz tempo (falei disso numa postagem intitulada "Totalmente à deriva", sobre minha história e convicções políticas), nessa última eleição, finalmente, me redescobri. Redescobri minhas forças e minha forte escolha pela esquerda - sem me ater ao PT, o que me foi uma libertação. Poder compartilhar com pessoas de outros partidos como o PSOL, o PV ou livres, de posicionamentos semelhantes aos meus, ponderado, mas sem ficar em cima do muro, analisando a situação como um todo e em suas partes com olhos de amor para com o outro, mesmo que diferente de realidade, para com nós mesmos, nossas história, nosso futuro, foi essencial.

Reconhecer que "ainda estamos longe da utopia, mas já estivemos muito mais" foi também importante. É verdade, o atual tem muitos problemas, sou uma crítica do mesmo, mas as coisas estão avançando. Somos uma democracia recente, temos muito o que aprender, fomos colonizados por muito tempo (tem gente que pensa com cabeça colonizada até hoje - a história das mentalidades é a mais lenta de todas). Temos uma corrupção que impera desde quando os portugueses aqui chegaram - sim, triste ver a esquerda envolvida nesses esquemas, mas mais triste é o pessoal achar que o PSDB seria a solução quando é um partido mergulhado na lama - escondida debaixo do tapete. Não interessa à grande mídia desmascará-los, ao contrário do PT, quando inclusive denunciam sem ter provas. Uma vez tendo provas sou  a primeira a exigir punição dos envolvidos seja de que lado for.

Assim, mesmo com críticas ao atual governo votei para a reeleição de Dilma Roussef, para que um projeto de esquerda continuasse dando andamento a uma política comprometida com um modelo de sociedade mais justa.

Perceber que não devo votar de corpo fechado com ninguém, mas com coração aberto para que os avanços venham, e se não vierem, cabe o meu posicionamento além da revisão de minhas ações cotidianas - preciso fazer o mesmo que cobro dos governantes, certo? Afinal, a vida em comunidade só pode mesmo dar certo com o comprometimento de todos. Até mesmo a oposição precisa estar comprometida com algo maior, um princípio, senão não pode dar certo, é apenas sede de poder.

Livrar-me dessa pequena visão de mundo entre petistas e antipetistas me fez um bem danado, me ampliou, e de certa forma também me protegeu a não entrar numa guerra, principalmente em tempos de facebook, com as pessoas ao me redor. De todo modo também fui atingida, porque impossível ficar indiferente em meio a tanta manifestação de ódio. Impossível ficar à deriva, neste caso.

Muita gente se esqueceu o quão sacrificante nos foi poder viver numa democracia em que cada um vota em quem quiser sem precisar atacar o diferente. Não sabem que a diferença nos engrandece e nos qualifica como uma espécie diferenciada. Grande exercício esse de tolerância. Como cidadã, educadora e mãe não prego e não vivo o discurso do ódio.

Muitas pessoas falaram abertamente sobre uso de porradas para lidar com o diferente, não conseguindo dialogar ideias sem entrar em rotulações que nos afastam ao invés de nos agregar. Debate que não amplia, só paralisa. Outras, defenderam a divisão do país entendendo alguns povos como superiores a outros, como se tivesse um "voto certo" ou como já não houvesse muros invisíveis entre nós, os quais justamente tanta gente luta para acabar. Pena que tem gente que quer concretizá-lo, com ofensas preconceituosas aos nordestinos, justo eles que construíram cidades como São Paulo e que de uns tempos para cá vem conseguindo voltar (porque desejam e prosperaram) a suas cidades natais. Diga-se de passagem, o sul e o sudeste tiveram mais votos a Dilma do que eles (claro que em São Paulo não, uma cidade que prefere ficar sem água a ficar sem carro, como aponta a reeleição para governador em primeiro turno de Geraldo Alckmin e alto índice de rejeição a Haddad, meu prefeito com orgulho).

Isso sem falar em ofensas às camadas mais pobres, chamando-os de vagabundos, como se fosse uma questão de desejo não querer progredir. Tem gente preguiçosa tem, como em todo lugar, mas a imensa maioria não consegue viver de outra forma - é uma miséria terrível. E tem gente que não quer se misturar, que fica inconformado com "aeroporto que ficou com cara de rodoviária". Herança de nossa colonização. Gente que ataca pobre mesmo tendo vindo da mesma origem na lógica de que "eu ralei, ninguém me ajudou, o mundo não foi justo comigo agora não quero que seja com ninguém". Isso se chama ranço, e precisa ser trabalhado... em terapia. Em política pública, séria e comprometida, a lógica tem de ser o contrário "não quero que passem o que eu passei, ou imagina como teria sido a minha vida se tivessem me aberto portas com gentileza". Certamente seríamos todos mais tolerantes, mais amados, com certeza. De todo modo, a discussão sobre as bolsas e tudo mais, é válida, eu mesma tenho muitas ressalvas, gostaria que estivessem associadas a programas de capacitação, por exemplo, contudo, o mais importante para mim por hora é que tomar a posição de ficar indiferente a uma boa parcela da população marginalizada, como se ela merecesse, ou mesmo deixar de reconhecer as revoluções que aconteceram nas vidas de muita gente graças a essa abertura, é inaceitável. Infelizmente as coisas demoram a se transformar verdadeiramente nas estruturas, quiçá chegue um dia em que essa prática não será mais necessária...

"Democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida". Mario Quintana

Também me chama a atenção a reação de muitas pessoas com uma postura de inconformismo em relação à votação pedindo sua anulação, como se fossem torcidas organizadas de times que não podem conversar, trocar de jeito nenhum, isso porque até mesmo dentro de um campeonato esportivo existem limites, ou pelo menos deveriam existir, e querem assim fazer uma "quebra, quebra geral" para anular o campeonato só porque não sabem perder. Veja bem, não votei no Alckmin e mesmo assim não torço para não chover, pelo contrário (ainda que eu saiba que mesmo que chover a crise hídrica em SP continuará, é uma questão de política). Do mesmo modo fiquei inconformada quando pessoas torceram para o Brasil perder a Copa só para o PT se prejudicar... Valeu à pena, minha gente deixar de torcer com emoção pela seleção?

Sinceramente, eu não queria que Aécio fosse meu presidente, por uma série de razões como, por exemplo, o fato dele já ter agredido uma namorada e ser a favor da redução da maioria penal, mas se fosse a vontade da maioria teria que engolir e fazer uma oposição construtiva, porque faz parte da democracia ter esses dois lados, é saudável, desde que se jogue limpo e com respeito. Seria voz em defesa das mulheres e da infância como vou ser sempre. O próprio Aécio, dignamente, cumprimentou a presidente e se comprometeu a fazer uma oposição construtiva. Esse é o jogo, e ele sabe disso. Já fui muito tempo oposição, já cometi meus erros e fiz minhas aprendizagens, espero que as pessoas façam as delas, pois esse clima de "vamos lá fazer valer a posição ou a oposição pelo bem comum" não estou vendo entre as pessoas no facebook ou mesmo entre as crianças, contaminadas, quando chegaram à escola na segunda-feira em clima de final de Copa do Mundo. O que estamos ensinando a elas? Que podemos chamar nossa autoridade máxima de diaba, vagabunda, é isso mesmo? Depois querer que as crianças respeitem as mulheres, os adultos, os pais, os professores fica difícil... Que não vale à pena votar e respeitar a decisão da maioria? Pois o sistema contrário é bem sabido, é a ditadura, e uma basta na história desse país, não é mesmo? Que o diferente está errado a priori, que posso fazer generalizações grosseiras e desrespeitosas??? É tudo isso mesmo que queremos ensinar, pois é o que as crianças estão entendendo... Eu não quero formar outra geração do medo, da intolerância, do machismo, homofobia e preconceituosa. Chega, né gente? Somos prova viva de que esse não é o caminho. A gente já sofreu muito nessa vida por as coisas funcionarem desse jeito... Queremos vivências mais plenas para nossos pequenos e pequenas... Eles merecem, nós merecemos, e o mundo agradece!

Algumas pessoas da esquerda entraram nas provocações e destruíram uma editora de revista (vergonha alheia), e fizeram generalizações, de um jeito preconceituoso também. Dessa forma, me envergonham, afinal, conheço muita gente bacana, com seus motivos justos, que votaram no Aécio ou votaram nulo. E respeito. Hoje, mais do que nunca. Além disso, foi a votação mais acirrada da história, será preciso considerar isso. A mensagem de insatisfação foi dada e por isso o novo governo tem essa missão pela frente, de agregar ao invés de separar, o que não significa uma homogeneidade de pensamento, de posições, de crenças, uma vez que não estamos numa ditadura - vide tudo que falamos abertamente nesse processo. Mas justamente na diferença podemos vir a nos encontrar de um jeito mais potente. Encontro entre diferentes. É possível? Sim, eu acredito que sim. Essa é minha utopia.

Ao final desta eleição, essa maré de ódio, um ódio desmedido, manipulado por uma mídia com notícias manipuladas por seus opressores me deixou em sinal de alerta, de que temos de nos cuidar para o risco que corremos quando nos tratamos dessa maneira. Segue uma coluna primorosa de ontem, de alguém que sofreu na pele essa maré do ódio, de Gregorio Duvivier, "Perdemos", na qual ele fala das perdas que tivemos nesse processo ao interagirmos por meio desse ódio. Vale de aprendizado! Caso contrário, vamos perder ainda muito mais...

 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/192719-perdemos.shtml

Também uma eleição marcada, para mim,  de minha libertação. E que venha a reforma política prometida pela presidente para nos libertar ainda mais de amarras em nossas estruturas falidas. E se não vier vou cobrar, porque me sinto realmente livre para apoiar e criticar, às vezes até uma mesma pessoa, um mesmo partido, um mesmo projeto, por que não? Acima de tudo me sigo por um projeto de amor, de bem comum, de respeito e tolerância. Essa é a minha escolha, sempre.

Na hora do resultado fui tomada por uma emoção que há tempos não sentia na política. Votar numa mulher que lutou contra a ditadura, foi torturada, mas se manteve em pé, e que agora tem essa missão de construir novos paradigmas numa sociedade que quer mudanças foi emocionante. Poder comemorar essa vitória junto do Lu foi também especial. 12 anos juntos. Somos tão diferentes hoje em dia, mas também tão iguais. Um novo ciclo recomeça. Algo morto em mim, em nós, renasce, do mesmo e de um outro jeito. É muito amor.

Por falar em amor, um beijo grande para o meu. Que a gente continue sempre junto nessa luta. Amo. E que fique nosso exemplo: é possível amar em tempo de eleição!!!



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Conexões

Quero relatar duas situações que vivi num mesmo dia.

Pela manhã, fui conhecer um terreiro de umbanda que uma amiga frequenta. Foi uma experiência muito especial: o lugar, o dia lindo, o canto, a dança, a energia, o acolhimento, as palavras, a história. Me senti muito bem, precisava mesmo desse momento para recarregar a energia, para cuidar de minha espiritualidade, de minha fé. Minha fé que é minha religião, minha libertação, minha guia e que por isso a vivencio por meio de muitas religiões ou mesmo na ausência de alguma.

Me senti viva e muito conectada comigo, com as pessoas que estavam lá e até mesmo com as que não estavam, com a natureza, o universo, Deus. Alegria por existir, por experimentar momentos intensos e poder compartilhar com muitas pessoas numa verdadeira rede.

À tarde, entrei em contato com uma amiga querida para parabeniza-la por seu aniversário. Confesso que estava animada em vê-la pessoalmente, mas eis que descubro que por eu estar temporariamente desconectada da rede de whatsapp não fiquei sabendo que a comemoração havia sido no dia anterior. Fiquei arrasada.

Me senti morta, sem exagero algum. É como se eu não existisse por não fazer parte dessa rede virtual, e cheguei a ter um momento fúnebre ao imaginar que poderia mesmo ter morrido sem ninguém ter notado até que alguém finalmente postasse minha morte quando esta receberia algumas curtidas e um ou outro comentário lastimando minha ausência. Triste por não existir, por deixar de aproveitar momentos especiais com pessoas queridas.

Dois momentos que falam muito da nossa realidade contemporânea, e principalmente, de nossas escolhas. Eu, por exemplo, escolho viver situações reais com gente real numa vida real. Claro que já passei da fase da rebeldia (rs) e hoje, sei que a vida real também engloba a virtual, e desta relação, podemos tirar proveito quando tomamos alguns cuidados importantes. O maior deles é que seja num encontro pessoal ou num virtual é essencial estarmos PRESENTES para nos CONECTARMOS de fato, uns com os outros.

Conectar-se aos demais não é tarefa fácil. Mas quem está falando de vida fácil? Eu não. Estou de vida vivida, que só faz sentido em comunhão com os outros. Gosto dos momentos de solidão, mas gosto ainda mais quando experimento momentos de conexão com meus pares. Justamente por todos os desafios envolvidos, quando isso ocorre, sinto que me encontro não apenas à pessoa, ou pessoas em questão, mas à minha história, minha ancestralidade, minha/nossa humanidade, e com o universo. Afinal, é uma alegria sem igual poder compartilhar experiências, lembrar e ser lembrado, viver junto, em comunhão na diversidade, e claro, ensinar à nova geração que tudo isso é possível sim, basta disposição.


“A beleza é aquilo que você não dá conta de ver sozinho. Ao ver algo bonito demais você logo quer dividir com o outro. A beleza é o que não cabe só em você, é aquela coisa que quando você sente, precisa dar pro outro. Você vê um pôr do sol bonito da janela, vê um quadro no museu, lê um livro e pensa: fulano precisava estar aqui, ou, eu tenho que ler isso pro meu filho. É extremamente triste estar sozinho quando se encontra a beleza.”  (Bartolomeu Campos de Queirós, conferência durante o Simpósio do Livro Infantil e Juvenil, Colômbia-Brasil, Bogotá, 7-9/10/2007)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Dia dos professores 2014!!!

"Mãe, por que o dia dos professores é pertinho do dia das crianças?" Mateus


Nunca conheci alguém que escolheu ser professor para ficar rico. Ainda que seja importante seguirmos em busca por melhores condições de trabalho, quero focar agora na seguinte questão: o que nos move então?

Certamente as razões são diversas, sendo que para muitos nem foi uma escolha (foi o possível ou um 'bico'), mas acredito que existem algumas que são comuns a todos os bons professores, mesmo que inconscientemente. Dentre elas, destaco duas: o desejo do encontro com o outro e a esperança de que a partir desse encontro muita coisa boa pode vir a acontecer...

Encontro com o outro é o encontro com a criança que está na sua frente ou com a que ela já foi um dia, no caso de aprendizes adolescentes ou adultos. Nesse encontro de olho no olho, de gestos afetuosos, e palavras que acolhem, orientam e dão limites sem limitar. É um encontro que vai além do físico, quando nos encontramos, por exemplo, com a criança que fomos. Afinal, nossas memórias nos permeiam, refletem em nossas ações, são nossas marcas, crenças primárias. Tomar consciência de nossa trajetória individual e coletiva possibilita encontros potentes entre sujeitos ativos e assim, podemos nos sentir pertencentes um ao outro, a um grupo maior, à humanidade, e principalmente, com a nossa própria humanidade - em construção.

Nesse processo, sentimos que cuidamos e somos cuidados, somos iguais em direitos e diferentes em maneiras de nos expressarmos, em nossas subjetividades. Do mesmo modo também somos semelhantes e únicos em como aprendemos, vivemos e sonhamos, e exatamente por isso, precisamos aprender a nos respeitar em nossas diferenças, porque elas nos engrandecem e nos qualificam como uma espécie diferenciada.

Esse tipo de encontro, quando acontece, é uma explosão de potência, porque nos faz perceber como podemos revisitar nossas memórias para ressignificá-las e algumas vezes até mesmo nos libertarmos - de amarras que fizeram conosco ou que nós mesmos nos prendemos. Uma vez alargados, os sujeitos envolvidos conseguem ampliar suas possibilidades, vivem outro tempo, outro espaço, outra relação.

Isso é educação. Só para isso e para tudo isso.

Com muito orgulho sou professora!!!! No momento orientadora educacional, mas sempre professora. Parabéns para mim e para meus colegas. "Viva eu, viva tu, viva o Chico Barrigudo!!!" (postagem homônima que escrevi no ano passado). Realmente essa escolha que reafirmo todos os dias foi um divisor de águas em minha trajetória. Nessa data especial, minha colega Glaucia Affonso escreveu um agradecimento especial que também compartilho aos meus alunos e alunas: "Hoje, como é dia dos professores, quero agradecer aos alunos pela possibilidade que eles me dão de reinventar a mim mesma".

Um privilégio.

Voltando à questão do Mateus, as origens dessas duas datas não têm ligação, mas como acredito no famoso "nada é por acaso", e principalmente, que a todo momento ressignificamos nossas vivências e escolhas, agora, mais do que nunca, para mim, o fato do dia das crianças e do dia dos professores serem tão pertinho um do outro é para nos lembrar de que um não vive sem o outro (não os dias, mas os sujeitos em questão!).

"Nascemos humanos, mas isso não basta: temos também de chegar a sê-lo". Fernando Savater

Lembrando que nosso processo de humanização apenas acontece em interação.

"Os homens se educam em comunhão". Paulo Freire

Assim, encontro entre professor(a) e criança é encontro entre gerações, entre o passado e o futuro, entre o que já foi e o que virá a ser, entre quem ensina e quem aprende, nem sempre numa direção única, entre quem fala e quem escuta (também não numa direção única), entre quem sabe mais sobre algumas coisas, mas não sobre tudo e quem sabe menos sobre tudo, mas tem seu olhar único sobre o que sabe. Encontro do velho com o novo, do que foi bacana e precisa ser preservado e do que foi ruim e precisa ser melhorado. Encontros que só acontecem entre quem está disponível para se enxergar, enxergar o outro, a relação, o ambiente, e todo um contexto, e assim se reconstruir, enfrentando todas as delícias e desafios que esse processo nos suscita.

Em cada um desses encontros na escola, que são diários e constantes, vamos nos lembrando também que precisamos nos cuidar, nos ajudar, nos respeitar e, claro, comemorar a vida em movimento. A nossa vida viva, com suas delícias e desafios.

“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais”. Rubem Alves

Lembrei-me de um dia em que Mateus chegou muito feliz da escola me contando que ensinou uma mariposa a voar. "Ah é?", lhe perguntei. "Mãe, ela saiu do casulo, ficou lá parada, sem se mexer e eu disse para ela: "Abre as asas e voa... Voa assim mariposa" (e fez gestos correspondentes com seus braços). Já completamente encantada com aquele relato, em meu pequeno ter experimentado um encontro com o outro (a natureza, no caso), em seguida ele me questionou: "Mãe, por que as professoras não ensinam a gente a voar?"

Ainda emocionada com tanta lindeza, respondi a ele: "Meu querido, você já voa... E voa longe". E depois pensei (e sigo com esse pensamento): "desejo que você, suas irmãs e todas as crianças, em suas trajetórias escolares, consigam sempre encontrar professores e professoras que reconheçam esse enorme poder que todos vocês têm". Professore(as) assim são porretas, fazem a diferença na nossa vida, e merecem hoje celebrar o dia de seu ofício. Parabéns a todos nós!!!

"Pois ser mestre é isso: ensinar a felicidade."
"Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido."
"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas."
"Os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam serem especialistas em amor: Intérpretes de sonhos." Rubem Alves

domingo, 12 de outubro de 2014

Dia das crianças 2014

Porque hoje é mais um dia como todo dia... Pelo menos aqui em casa, dia da criança é todo dia... de todo modo, hoje em especial, a gente aproveita para fazer um balanço geral e para fazer uma farrinha boa...

Dia de comemorar a existência das crianças: as de hoje, as de ontem, que fomos nós mesmos, e as que ainda vão chegar. No caso dos nossos filhos, eles são as crianças do nosso presente (aliás, o melhor presente de todos!), e de certa maneira também representam o que fomos e o que queremos vir a ser. São nosso elo com nossa própria história, com as pessoas, com o mundo.

Diariamente, como pais, nos deparamos com lembranças e fazemos escolhas que revelam essas experiências. Até mesmo o valor que damos para o dia de hoje, é resultado também disso. Assim, para alguns, pode ser encarado de várias maneiras, algumas complementares como, por exemplo, sendo um dia como outro qualquer, o dia de ganhar presente, de se mostrar presente, de ficar junto de pessoas queridas, de fazer alguma coisa diferente, de se fazer uma festa ou ainda de ser vivido com espontaneidade como outro dia qualquer. 

No meu caso, minhas memórias de infância me revelam que vivia esse dia numa medida bem saudável como um dia especial ao mesmo tempo corriqueiro, porque não me recordo especificamente de um presente ou passeio nesse dia. Era mais um dia gostoso, dentre tantos outros, na minha vida e na de meus irmãos.

Que assim seja para meu trio de pequenos bagunceiros e para todas as crianças desse mundão afora. Mais um dia vivido com respeito e amor!!!

Para aquelas que infelizmente não vivem essa situação, desejo e na medida do possível faço acontecer em minhas ações como cidadã, mãe e educadora que a infância possa ser encarada pelos governantes como algo prioritário em seus planos de gestão - pasmem! NENHUM candidato à presidência, no último debate para o primeiro turno das eleições falou em INFÂNCIA! Mas se eles não falam a gente grita e exige que cada criança tenha direito a viver essa fase de um jeito amoroso, cuidado, respeitado e potencializado.

Além do mais, que cada vez mais a gente consiga se surpreender com suas potências - não para realizar com sucesso algum jogo no computador, mas para ver e lidar com as coisas do mundo. Aí está a grande potência das crianças: essa maneira delas encararem a vida, de se relacionarem com as pessoas e com a natureza, enfim, interagirem dentro de uma cultura que é própria delas. Em todos os agrupamentos humanos, de todas as épocas e partes do mundo, vemos crianças se relacionando numa linguagem única, com repertório de brincadeiras que envolvem pesquisas semelhantes e ao mesmo tempo originais, porque afinal, estamos falando de nossa espécie, de nossa humanidade. Talvez quando a gente se enxergar desse jeito, com mais semelhanças do que diferenças - a gente possa construir outro modelo de sociedade.

Nesse sentido, as crianças de nossa contemporaneidade também nos ensinam constantemente que não existe um só jeito de entender e fazer a vida - existe sempre muitas possibilidades, e elas, com suas almas perguntadeiras exploram com toda inteireza que lhe são peculiares as suas subjetividades para interagir diante das questões cotidianas. Elas são livres e devem poder viver plenamente essa infância, contando nesse processo com o acompanhamento de adultos que não "boicotem" seus desenvolvimentos (já falei muito disso em outras postagens), mas ao contrário, a acolham, a estimulem, respeitam e aprendem com elas como, por exemplo, que esse cuidado que elas pedem de nós quando pequenas pode continuar pela vida inteira, não só para com elas (de uma maneira adequada a cada faixa etária, claro), mas para com todos nós, pois cada vemos mais tenho certeza de que fazemos parte de uma grande comunidade, e temos de nos cuidar - urgentemente, pelo bem de nossa espécie. E aqui não estou falando apenas em sobrevivência, mas em qualidade de vivência.

Ontem, hoje e sempre: Feliz dia das crianças!!!

"Quando eu crescer eu vou ficar criança". Manoel de Barros




domingo, 5 de outubro de 2014

Vamos votar?

Sim... Dá preguiça sair de casa em pleno domingão friozinho, só para votar. Mas é preciso!!!

Não podemos nos esquecer de que a conquista do voto direto foi uma luta de muitas pessoas para que hoje conseguíssemos ter esse direito: escolher livremente e de maneira democrática nossos representantes. Com 3 anos, por exemplo, não pude fazer o que Mateus está fazendo nesse momento, e junto de meu pai, acompanha-lo numa votação.

Luiz: "Mateus, vamos votar comigo?"
Mateus: "O que é votar?"
Luiz: "A gente vota para escolher quem vai governar o Brasil".
Mateus: "Mas eu governo".
(risos)
Luiz: "Você está ainda aprendendo a governar a sua vida".
Mateus: "Então eu voto em você!"

Demais de fofo.................. E eu voto nele, nelas!!! Pois como diz Lydia Hortelio, no documentário "Tarja branca": "Eu tô pela revolução que falta que é a revolução das crianças!"

Ao fazer essa declaração a Luiz Mateus captou a verdadeira essência do voto: votar é um ato de amor. Amor a um lugar, ao nosso grupo, à nossa história, a um modo de viver, ser e de concretizar sonhos e projetos coletivos. Por isso não votamos em qualquer pessoa, votamos em quem confiamos que representará nossas ideologias, nossas escolhas ou pelo menos se esforçará para tal. Essa é a beleza da democracia: cada um se expressar livremente (e de maneira respeitosa), sentindo toda a potência que carrega. Mateus, menino crescido numa recente democracia, já percebe a força de sua voz ao sentir que governa o país. Que lindeza!

Infelizmente, não tive a oportunidade de experimentar essa vivência e reflexão sob a perspectiva única e preciosa de minha primeira infância, e sendo assim eu e as pessoas de minha geração (e as anteriores), certamente deixamos de fazer aprendizagens importantes sobre a nossa potência, principalmente quando nos mobilizamos coletivamente. Ao contrário, essa época restritiva e violenta da ditadura militar, deixou fortes marcas negativas em mim, em nós, em nosso país.

Muitos ranços autoritários ainda permanecem em nossas crenças e ações, exigindo de cada um de nós um grande esforço pessoal e coletivo para os superarmos em direção à efetiva construção de uma sociedade justa e plena - isso sem mencionar outros tipos de ranços, muitos heranças de nossa colonização exploratória por uma elite branca, machista e metida a europeia. Mas ainda assim, seguimos caminhando... Cada um dentro de suas possibilidades de compreensão para o momento.

Alguns de nós, por exemplo, seguem com uma tolerância maior frente à diversidade e com uma leitura mais afinada sobre o nosso processo histórico buscando transformações reais em nosso sistema, outros, mais acomodados, anulam a própria voz ou viram "resmungões" cegos, seja de quem está no governo ou de quem está na oposição , outros (socorro!) querendo zoar nas eleições, votam em uns tipos esquisitos, sem propósito algum, e ainda outros (socorro de novo!!!) querem voltar ao tempo da ditadura, às velhas práticas tenebrosas de direita.

Realmente o exercício democrático é um constante desafio da vida em comunidade, mas não tem jeito... É apenas nessa nossa recente experimentação democrática que vamos poder, seja errando ou acertando, reconhecer o tipo de sociedade que somos e aprender, JUNTOS, sobre o tipo de sociedade que queremos nos tornar.

Agora é hora de Mateus votar e comemorar com a mamãe, pois ainda que meus candidatos não ganhem, de todo modo eu já estou ganhando em ter a chance de poder me manifestar livremente sobre os rumos de meu país. E, claro, poder manifestar-me positivamente ou negativamente sobre as futuras ações dos eleitos.

PS1: Mateus não quis ir votar comigo para brincar, achei um argumento muito justo!!!rsrsrs

PS2: Continuo "totalmente à deriva" como disse numa postagem homônima, e fica a dica, a leitura das reflexões de Leonardo Sakamoto - anima ver gente bacana pensando de um jeito amplo sem tanto ódio cego e muito desejo em entender o que se passa, em busca de alternativas a tantos movimentos reacionários:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Lembranças que servem de lição: marcas do futebol

Assim que conheci Luiz, soube de sua grande paixão por jogar futebol, e não demorou muito para que eu percebesse os efeitos que esse esporte causava nele: contusões, ralados, pés quebrados. No início de namoro, era aquela preocupação em demasia seguida de uma sensação gostosa de poder cuidar do amado e coisa e tal. Com o passar do tempo passei a me confrontar com situações conflituosas como o cancelamento de eventos sociais por conta de Luiz não estar em condições de participar. Na época brincava com os amigos dele: "Poxa vida, entrego o rapaz inteirinho, cheirosinho e vocês o devolvem todo estrupiado!!!" e fazia pressão para que ele se cuidasse ou ao menos "aguentasse a dor sem reclamar". Enfim, minha pressão foi tão grande que certa vez combinamos de ir a um show na Virada Cultural e mesmo com braço machucado o Lu foi... quietinho, quietinho, só pra me agradar e não escutar...rs. No dia seguinte, descobrimos que ele havia quebrado o braço!!! Fiquei muito, muito mexida com isso e nunca mais reclamei e aceitei, afinal, era sua paixão, fazia parte dele. Lembro-me que mesmo machucado era com alegria e orgulho que ele contava do lance que havia se envolvido em nome de seu time seja impedindo o gol do adversário ou fazendo o gol da vitória.

Pois meu filho, com apenas 3 anos, vem trilhando um caminho parecido. Assim como o pai, ganhou mais uma história para contar: jogando futebol, Mateus quebrou o pé! E como sempre, ele está bem, lidando tranquilamente com esse empecilho, e claro, contando os dias para voltar a bater bola.

Fico aqui pensando que depois de tantas vivências, algumas coisas a gente precisa aprender nessa vida, e isso eu aprendi: crianças (de 3, 30 ou 60 anos) são assim mesmo... estão sempre dispostas a brincar, a explorar e a se divertir, e é desse jeito que a vida tem de ser. Por isso, sigo na torcida para que meus dois meninos moleques voltem logo a jogar o futebol do jeito que eles gostam (e precisam), mesmo que depois acabem ganhando novas marcas no corpo. Faz parte: marcas no corpo, marcas na alma. E principalmente, sigo com a minha fé de sempre. Fé na potência desse tipo de vivência intensa.

Para quem quer pensar um pouquinho mais a respeito, segue um link de uma reflexão importantíssima feita por Contardo Calligaris "Crianças protegidas e inseguras", na Folha de São Paulo.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/09/1517396-criancas-protegidas-e-inseguras.shtml