sexta-feira, 13 de março de 2015

Manifestações de domingo

Tenho muitas críticas ao PSDB e ao governo de Dilma Roussef (é possível, sabiam?), e neste domingo, não vou à manifestação contra o atual governo. Explico...

O foco desse movimento tem sido o pedido de impeachment da presidente, infundado até o momento, uma vez que não existem provas de sua ligação com algum esquema irregular. Sendo este o foco, o considero antidemocrático, uma vez que iniciou-se no dia seguinte às eleições, sem respeitar as regras (conquistadas), em que a maioria ganha, e de um jeito desinformado, pois me parece que as pessoas estão achando que no caso desse acontecer, o Aécio vai assumir, o que não procede.

Aqui, uma pausa...

É comum as crianças pararem um jogo, justo no momento em que perdem, alegando, sem ter provas, que houve roubo por parte do adversário ou então reclamarem quando perdem uma votação.

Outra pausa...

Durante a resolução de uma briga entre Mateus e Carol, com minha mediação:
Mateus: "É que eu bati a cabeça dela na parede."
Eu: "E é assim que se resolve os problemas?"
"Não."
"Eu posso fazer isso com você?"
"Não."
"Então por que você pode fazer isso com ela?"
"Por que eu não sou adulto."

Essa conversa continuou, mas voltando à reflexão inicial...

Se esse movimento fosse responsável para com as regras democráticas que vivemos não agiria igual às crianças pequenas - que estão em seu tempo adequado para aprenderem a lidar de outros jeitos mais construtivos diante da complexidade de desafios que vivem em seus desejos não atendidos e nos conflitos relações, e para isso, precisam de reconhecer-se como aprendizes contando com bons modelos dos adultos ao redor (de certa maneira, também sempre aprendizes), ensinando o exercício do diálogo como via potente dessas e de outras questões, organizando, por exemplo, passeatas (legítimas, ainda bem, em nosso regime), expressando a insatisfação por meio de argumentos políticos, avançando em como reagir diante de situações adversas em busca de uma sociedade mais justa, ao contrário de agir num clima cada dia mais intolerante às divergências, sem compreender os tempos e construções históricas, e então, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento reivindicasse o fim da corrupção de maneira ampla, considerando que desde a chegada dos portugueses ao Brasil uma exploração sem fim aconteceu às populações indígenas, negras, mestiças, imigratórias, sertanejas e que os privilegiados, de maneira geral, se beneficiaram deste sistema, ao contrário de focar no ataque único, cego e cheio de ódio a um partido, como único responsável por nossas desgraças, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento questionasse o muito que o governo petista se comprometeu a fazer e não fez, deixando de construir importantes reformas políticas a este sistema falido desde o princípio, para que o mesmo pudesse se reerguer em cima de bases mais justas, com uma pauta séria de reivindicações que contemplasse todos e todas brasileiras, ao contrário de se dedicar a criticar o pouco de mudanças positivas que esse governo proporcionou à nossa sociedade, propiciando maior acessibilidade das camadas mais pobres e criando uma nova realidade social em que convivemos de maneira um pouco mais misturada, com mais gente conseguindo sonhar e lutar pelo que sonha, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento se posicionasse efetivamente contra todas as formas de violência, explícitas e implícitas, que as minorias da sociedade, principalmente, ainda hoje sofrem, de forma a transformar nossos símbolos e nossa realidade, ao invés de reproduzir comportamentos violentos, machistas e retrógados, xingando a presidente de vaca, vagabunda, desqualificando-a como uma mulher que pode dirigir um país e responder politicamente e seriamente pelo mesmo, em pleno Dia Internacional da Mulher ou então concordando com falas como as de Bolsonaro, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento fosse inspirado no novo, apresentando alternativas políticas positivas e transformadoras, ao contrário de defender ou acreditar ingenuamente que o que é apresentado como mudança carrega na verdade, o que há de mais velho e podre na política brasileira, comprometido apenas com a manutenção deste sistema injusto, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento fosse revolucionário, propondo mudanças verdadeiras em nossas paradigmas, focado sem ser modelo aos mais jovens, em busca das utopias, de avançarmos em nossa ética e moral, ao contrário de justificar suas ações conservadoras em outras ações, também conservadoras ("ah, mas a presidente mereceu ser xingada", "ele falou que ela merecia não merecia ser estuprada só para ofendê-la", "é só uma piadinha", "um detalhe", "a gente xinga também os juízes de futebol", "hoje em dia não dá mais para ser politicamente correto", "ninguém mais quer trabalhar"), fazendo pacto com o que há de melhor na sociedade e não com o que há de pior, dispondo energia e empenho para consertar o que está errado e livrar-se de nossos preconceitos que dificultam nosso diálogo, mantendo a esperança em nós, como sujeitos ativos, nos outros, que em suas diferenças nos engrandece, na política como uma via possível de possibilitar a boa convivência, no mundo, com um vasto mundo de possibilidades, algumas até mesmo que nem ousamos sonhar ainda, na vida, como aquela que temos que cuidar e preservar, a fonte vital de nossa existência, enfim, numa luta que precisa ser guiada pelo amor e não pelo ódio, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento fosse comprometido com a vida, cobrando também de nosso governador Geraldo Alckmin sobre a escassez de água que estamos vivendo em São Paulo, em grande parte por falta de investimentos do governo na ampliação da captação de recursos e transparência à população das escolhas questionáveis feitas pela SABESP (uma das empresas que mais lucram no país) e na condução dessa crise como oportunidade de lidarmos de uma maneira mais sustentável com nosso bem maior, ao contrário de defender a volta da ditadura militar, criando um clima parecido como em 1964 e que deixou tantas feridas em nossas vidas, tantas mortes em nossa história, quem sabe assim eu participaria...

Se esse movimento fosse comprometido com nossa história, olhando todos os aspectos de nossa trajetória, disposto a não cometer os mesmos erros, mas outros, como inevitavelmente faz parte de todo processo de construção, ao contrário de alardear falsamente que hoje em dia nossa vida é muito pior, desconsiderando em nossos tempos o enorme bombardeio de informações vindas de uma grande mídia irresponsável e nossa maior conscientização dos atos de barbárie, buscando assim avaliar com calma e profundidade todas nossas conquistas e ainda nossos desafios, quem sabe assim eu participaria...

Bom, mas não ir a essa marcha é uma decisão minha. Acho que aqueles que veem nela uma oportunidade de manifestarem suas indignações por esses motivos ou outros, os quais inclusive são imbuídos do que coloco aqui, de compromisso, responsabilidade, esperança, transformação, ética, devem ir, sim. Essa é uma das maravilhas da democracia. E levam de mim, meu apoio e dois pedidos especiais...

Aproveitem para se banhar desse mar de cidadania que uma manifestação pode nos proporcionar, reunindo seus argumentos políticos em busca de uma sociedade mais justa, porque essa precisa ser a principal pauta de nossas reivindicações: que tipo de sociedade queremos viver, o que está bom e precisa ser mantido, o que precisa ser jogado fora para sempre e o que pode ser reaproveitado, aproveitando de uma ampla gama de pontos de vistas. Trata-se de um momento tão poderoso que no caso desse movimento, em especial, exige dos ativistas um grande cuidado para com aqueles oportunistas que se aproveitam desse clima de histeria para instaurar a necessidade da segurança (falsa) de um golpe como assim fizeram há 50 anos.

Não precisamos viver esse capítulo da história novamente. Já sabemos como termina: em muita violência e sem podermos pleitear, daqui a quatro anos, o governo com o qual sonhamos.

Em meio a esse cenário, meu otimismo continua intacto...

Ao contrário das críticas de muitos, com suas análises preconceituosas sobre a elite envolvida nesse panelaço, reproduzindo um preconceito às avessas (ora, se lutamos por políticas públicas para todos e todas, porque a elite seria excluída a priori? Uma elite que agrega muitos trabalhadores e que sob alguns aspectos, nesta nossa realidade social, também me incluo), acho bastante interessante essas e outras mais pessoas ocuparem as ruas das cidades, com suas reivindicações, para experimentarem o poder de uma experiência coletiva, se misturando em meio à massa num grito comum ou em muitos gritos - me parece que tem gente que não está nessa onda histérica, e apenas está vendo ali um meio de mostrar a insatisfação geral.

Exercício constante de tolerância para todos nós, porque nos afundamos em ataques uns aos outros não vai ajudar. Vamos todos nos encher de argumentos, dialogar e nos tombarmos diante de outro, não no sentido de passividade, mas de consideração a um outro ponto de vista que pode alargar o meu, de sairmos dessa polarização. Que visão pequena de mundo onde só existem petistas e anti-petistas! O mundo é maior, minha gente, nós somos maiores. Nós podemos e queremos muito mais.

Assim, como ser contra alguém se manifestar? Não posso ser a favor de uma prática da ditadura, da repressão ou marginalização do diferente. O diferente me alarga, me possibilita ver o mundo amplo, ainda que seja desafiador, somos seres humanos, cheios de desejos, paixões, amores e desamores, incoerências. E temos de seguir em busca de movimento. Nesse sentido, ir às ruas para manifestar-se é realmente muito transformador ao podermos nos juntar a um grupo, num espaço público, e clamar por maior qualidade de vida A TODOS E A TODAS.

Quanto mais todos experimentarmos experiências de sentido como essa, mais ganhamos, mais nos abrimos ao invés de nos fecharmos, porque aí sim temos uma abertura para um encontro. Um verdadeiro encontro de olho no olho, de cheiro, memórias e sentimentos. Não do outro que pensa igual a mim, nem do outro que luto para que seja também igual a mim, mas do diferente que me comove, suscita em mim sentimentos e pensamentos de todos os tipos. É preciso coragem!

Guardo marcas profundas em minha trajetória de vivências desse tipo... Lembro, por exemplo, de uma vez em que a Polícia Militar, de maneira violenta, nos tirou o direito de reivindicarmos em defesa de uma Educação de qualidade. Num próximo ato, nos juntamos novamente no Palácio do Governo e levamos flores a cada policial presente. Lindo demais! Afinal, "gentileza gera gentileza".

Quem sabe assim, por exemplo, com a vivência da manifestação de domingo, muitos não passarão a olhar para nossos espaços públicos de outra maneira revendo seus conceitos sobre as ciclovias, as faixas de ônibus e de pedestres, as praças, o carnaval de rua, nossos modos de viver e conviver e as manifestações de outros grupos, afinal, a cidade é de todos nós. Tanto é de todos que as questões a serem melhoradas em cada um desses pontos, precisam ser palpitadas e revistas por todos nós juntos, pensando em prol da comunidade.

Estamos num momento em que esta pode ser uma ótima oportunidade para avançamos em nosso maior desafio humano: ser cada um, num todo. Superarmos o desafio de não ver no outro, diferente, um inimigo. Tarefa nada fácil, e cada vez mais urgente, principalmente quando vejo meus alunos e alunas vivenciando conflitos, para além daqueles que fazem parte de seus processos e são saudáveis, vivenciando também outros que não são deles, mas dos adultos. Vamos ser modelos, inclusive, sendo modelos de que somos aprendizes nesse difícil, mas necessário exercício do diálogo político.

Por isso, no domingo, dia 15, eu vou a uma manifestação, mas outra... e aproveito para fazer o convite, para todos e para todas!

"Numa democracia, todo dia é dia de se manifestar, de cobrar, de se fazer ouvir. Alguns dias, porém, oferecem possibilidades maiores do que outros. Dia 15 é um deles: é para 15 de março que está marcado um evento inédito, fundamental para a consolidação e aprofundamento da nossa democracia. Dia 15, faremos história. Dia 15, seremos ouvidos. Dia 15, não iremos calar…
Dia 15 é dia de votar nos conselheiros do Conselho Municipal de Política Urbana de São Paulo \o/ (http://goo.gl/UmGB82)
Pela primeira vez na história, nós paulistanos poderemos eleger pelo voto direto 34 dos 60 membros do CMPU! Antes, todos os membros eram indicados pelo prefeito. Entendem a enormidade disso?
Nesta eleição, estão concorrendo representantes da sociedade civil em 5 segmentos: movimentos de moradia; associações de bairro; entidades acadêmicas e de pesquisa; ONG; entidade religiosa. Cada eleitor pode votar em apenas um candidato dentre esses vários segmentos. Lista com todos os candidatos: http://goo.gl/cw5xYk
Para votar, basta comparecer ao seu local de votação munido de documento com foto e título de eleitor (ou número do título). Para descobrir qual é seu local de votação, acesse: http://goo.gl/R12NBy". (Camila Pavanelli de Lorenzi)


Por fim, segue um artigo que acho bem pertinente para resgatar nossa responsabilidade para com os mais jovens e com os rumos de outra sociedade que queremos criar. "Ontem ensinamos aos nossos filhos uma grande lição", de Roberto Tardelli.

http://jornalggn.com.br/noticia/ontem-ensinamos-aos-nossos-filhos-uma-grande-licao-por-roberto-tardelli#.VP9a1_Sy0qQ.email


Um comentário:

  1. Ju! Texto maravilhoso!! Com muita clareza, respeito e coerência, você falou de coisas muito importantes... Eleição é coisa séria... Democracia e cidadania também!! Parabéns!!

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