sábado, 2 de abril de 2016

1° de abril: dolorosa perda

"Hoje é aniversário do meu pai?"
"É mesmo? Parabéns pra ele!"
"1° de abril!!!!", seguido de risadas

Na hora da saída, o pai vem buscar sua filha e a distraída aqui:

"Hoje é seu aniversário, né?"
"Não!"
"Ah, agora lembrei... Ela me pegou duas vezes!"


Mais um ano em que essas brincadeiras gostosas com as crianças salvaram o meu 1° de abril. Há 2 anos, ele marcava os 50 anos de golpe militar e há 1 ano o Congresso sinalizava aceitação da redução da maioridade penal, questões sérias e complexas que abordei nas postagens "1° de abril: Ditadura" e "1° de abril: Redução da maioridade penal".

Dessa vez, a dor é outra. Num dia que começou cinza, nos despedimos de uma menina de 8 anos, uma aluna de nossa escola, mas que poderia ser uma criança de qualquer lugar que ainda assim nos suscitaria emoções dilacerantes por ser um acontecimento que não entendemos como natural.

Ela estava gripada e a verdadeira causa de sua morte ainda está sendo investigada. De todo modo, não estava com H1N1 conforme o teste feito anteriormente havia revelado, o qual o pai, numa postura ética, fez questão de compartilhar para tranquilizar a comunidade. Faz tão bem saber que existe gente que mesmo em situações extremas pensa na comunidade.

Como educadora, como mãe e como cidadã, esse medo também chega a mim. Inevitável. Mas tenho o compromisso (acima de tudo comigo mesma, pela escolha que fiz de como encarar minha vida) de fazer um exercício de respirar e contar com o apoio de pessoas bacanas ao meu redor para conseguir seguir em frente. Tem um texto muito interessante a esse respeito, escrito por um médico que obviamente trata com seriedade das doenças, mas nos alerta para essa doença contemporânea: o medo, em todos os sentidos, e que para o medo não há vacinas, mas prática diária (http://bloguedocaca.blogspot.com.br/2016/03/para-o-medo-nao-ha-vacina.html).

Na busca de ampliar nossas consciências sobre como enfrentamos nossos medos, podendo aproveitar das situações apavorantes para crescermos fui lidando junto de meus colegas e das crianças com essa perda, de diferentes jeitos, certamente algumas vezes mais assertivamente do que outras. Recebemos suas questões, respeitamos seus tempos, demos um tempo, respondemos, pensamos juntos, fizemos acordos sobre os cuidados necessários, compartilhamos nossas ideias sobre vida e morte, reforçamos nossos laços afetivos e solidários entre nós e para com essa família. Como uma criança disse: "isso que aconteceu é muito raro, né? Então eu fico mais tranquilo que isso não vai acontecer comigo nem com ninguém mais, mas fico triste porque aconteceu com essa menina". Num mundo cada vez mais polarizado essa criança teve a chance de viver a complexidade dos sentimentos tendo empatia para com o outro, como precisamos disso! Já os alunos e alunas mais velhos, na segunda-feira irão vestidos de branco para um minuto de silêncio.

Não tinha contato diretamente com essa criança, mas foi inevitável não entrar em contato com essa perda em nossa comunidade e com a dor dessa família. Meus sentimentos aos pais e à pequena irmã.

Uma perda que nos deixou sensibilizados, com sentimentos confusos e acima de tudo com a responsabilidade de como escola, enfrentar essas questões, para por meio do diálogo nos curarmos e vermos esperança na vida que segue. Como bem percebeu uma colega, nós, adultos, em geral falamos no passado das pessoas que se foram "ela era, ela gostava", já muitas crianças não. Uma amiga dela, por exemplo, fez uma carta para ela com as cores que ela GOSTA. Assim, no presente, que é do jeito que ela sempre será lembrada, como alguém que esteve e continuará estando presente.

No próximo ano, fico na torcida para que o 1° de abril não seja novamente marcado por algum acontecimento doloroso, contudo, se assim o for, uma vez que faz parte dessa vidinha complexa, já entendi que nesta ou em outras datas, fazendo meu exercício diário para enfrentar as situações apavorantes conseguirei sempre lidar os mesmos e ainda desfrutar da boa companhia, humor e sabedoria das crianças, estas que nos mostrando constantemente que a vida segue e vale a pena.