terça-feira, 21 de abril de 2015

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Meu aniversário...
Tempo de refletir, sair do inferno astral, inaugurar um novo ciclo!!!
Tempo de perceber como o tempo passa rápido mesmo quando tudo parece um marasmo!!!
Tempo de ficar com medo do acelerar das coisas e de cuidar para aquietar, ver a minúcia de cada coisa!!!
Tempo de sentir saudades de algumas pessoas, de outros tempos, de mim mesma!!!
Tempo de ficar junto das pessoas queridas, de ser grata por tudo que vivi e me reconhecer nesse momento!!!
Tempo de ficar assombrada com o crescimento de meus filhos, sentir saudades deles bebês e orgulho de suas conquistas (que também são minhas)!!!
Tempo de agradecer, focar, dispersar, agir, descansar, de comemorar!!!
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Sempre me intriga.
Sempre me desafia.
Sempre me surpreende.
Sempre me ensina.
"Todos estamos matriculados
na escola da vida,
onde o mestre é o tempo."
Cora Coralina
"Os ritos são no tempo o mesmo que o domicílio é no espaço."
Antoine de Saint-Exupéry


"A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte."
Rubem Alves
"Nos dias quotidianos
É que se passam
Os anos."
Millôr Fernandes



'O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família."
Mario Quintana
O Tempo

"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará."
Mario Quintana



"Não tenhamos pressa,
mas não percamos tempo."
José Saramago



"Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata."
Carlos Drummond de Andrade
   
"Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta."
Chico Xavier



"Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre."
Charles Chaplin




"Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito."
 Clarice Lispector

"Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar."
Carlos Drummond de Andrade


"Muita coisa que ontem parecia importante ou significativa amanhã virará pó no filtro da memória. Mas o sorriso (...) ah, esse resistirá a todas as ciladas do tempo."
Caio Fernando Abreu

"Não seja o de hoje.
Não suspires por ontens....
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo."
Cecília Meireles

"Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante."
Antoine de Saint-Exupéry

"Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho."
Mario Quintana

Tempo
"Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha."
Mario Quintana





Em tempo ainda, para parabenizar minha querida sogra Mirna!!! E também a Ana Rosa!!! Parabéns!!! Ofereço às duas o mesmo que Mateus me ofereceu hoje:

Mateus: "Fiz essa escada de  presente pra você."
Eu: "Obrigada. E pra onde leva essa escada?"
Mateus: "Para o mundo!"


Oração ao tempo (Maria Gadú)





Dia dos povos indígenas

O dia 19/4 já passou, já chegamos ao dia 21 (meu aniversário!), mas sinto que o dia continua sendo deles, os verdadeiros donos dessas terras!

Não só porque foram os primeiros a aqui chegar, mas principalmente porque souberam relacionar-se com a natureza, respeitando-a e tornando-se parte dela.

Hoje e sempre, desejo que a luta dos diversos povos indígenas, que também é minha, possa resultar em dias de mais respeito para suas histórias e culturas, para que continuemos a aprender com seres que vivem de maneira autêntica, guerreira e lúdica!

Segue um pequeno vídeo de muita brincadeira boa:




Este e outros vídeos, de brincadeiras indígenas e muitas outras tantas que encontram-se registradas no site do "Território do brincar": www.territoriodobrincar.com.br , resultado de muita pesquisa pelo país de Renata Meirelles e David Reeks, junto de seus filhos. Vale muito à pena conhecer esse projeto que prima pela qualidade da infância e pela valorização da cultura da criança.

Imagens que revelam

Quando Mateus nasceu foi aquele alvoroço em minha vida. Misto de sentimentos e encantamento por cada descoberta. A quantidade de fotos que tiramos dele, mesmo cuidando para não perder momentos de olho no olho e a vivência plena da experiência, foi enorme e revela o quanto o consumo é realmente uma marca forte de nossa contemporaneidade e temos de cuidar para que nossas relações não fiquem afetadas por ele.

Certa vez, Mateus tinha uns dois meses, uma tia foi conhecê-lo em minha casa. Conversamos bastante até que finalmente ele acordou, o que gerou em todas nós uma grande alegria. Após mamar Mateus ficou num bercinho à nossa vista quando então minha mãe pediu que eu compartilhasse as fotos e vídeos que andei produzindo com o pequeno. Nesse momento, percebi a incoerência em deixar de aproveitar a presença do pequeno acordado para buscar por suas imagens virtuais, e assim todos nós conseguimos não perder a chance de curtir a companhia deliciosa dele bebê.

Já quando minhas meninas nasceram vivemos uma situação oposta, pois conseguimos tirar poucas fotos das duas, o que, confesso, ao invés de me tranquilizar, me fez me sentir bastante culpada. Na véspera delas completarem um ano cheguei, inclusive, a encomendar uma sessão de fotos com minha amiga Renata como mencionei na postagem "Pausa para uma pose" como maneira de registrar aquele momento familiar importante.

Com o tempo, me aceitei cada vez mais como a 'melhor mãe possível para os meus filhos' e estudando sobre documentação pedagógica para meu trabalho na escola, consegui lidar de um jeito mais tranquilo e focado em relação às documentações de meus pequenos. Assim, tive certeza de que quantidade não é qualidade, que fotos posadas são bacanas como registros, mas bem mais bacanas mesmo são as que revelam pensamentos, sentimentos, descobertas, brincadeiras e saberes dos sujeitos. Aquelas imagens que contam histórias e criam outras interpretações, que suscitam reações aos que as veem, e que por estarem dentro de um contexto, podem ser planejadas - o que não significa ausência de surpresas no meio do caminho, mas presença de intenções desde a princípio, inclusive, a respeito de como compartilhá-las.

Ter um blog que expõe a mim e a minha família fez com que aumentasse a minha preocupação sobre todas essas questões. Para mim, a existência desse espaço de troca de reflexão se justifica pelas palavras de Bartolomeu Campos de Queirós:


“A beleza é aquilo que você não dá conta de ver sozinho. Ao ver algo bonito demais você logo quer dividir com o outro. A beleza é o que não cabe só em você, é aquela coisa que quando você sente, precisa dar pro outro. Você vê um pôr do sol bonito da janela, vê um quadro no museu, lê um livro e pensa: fulano precisava estar aqui, ou, eu tenho que ler isso pro meu filho. É extremamente triste estar sozinho quando se encontra a beleza.”
                                                          

Acredito que certamente por conta dessa concepção é que eu e Luiz andamos recebendo alguns elogios pelas imagens de nossos filhotes e pela maneira de compartilhá-las, sem exibi-los desnecessariamente e como nossos troféus. Nossos filhos são seres que merecem respeito aos seus processos únicos de aprendizagens, por isso mesmo interrompe-los a todo momento só para tirar uma foto posada não soa coerente. Isso sem falar de cuidarmos para não passarmos a mensagem aos nossos filhos de que absolutamente TUDO o que fazem merece um registro, e ainda por cima, compartilhado na rede. Quem me conhece bem sabe que nesse sentido tenho alma antiga, e por isso não acho que tudo que fazemos é importante para os outros - essa história de 'se sentindo...', 'partiu...'.

É verdade que em tempos atuais, em que nunca estivemos tão conectados ao mesmo tempo uns com os outros, o virtual pode tornar-se real, e vice-versa. Muitos são os exemplos (positivos e negativos) para essas situações. E estamos aprendendo a construir nossas relações nesse novo formato, em rede. É um momento que exige cuidado como, por exemplo, em relação à diferenciação de público e privado, e também é um momento potente, em que podemos nos beneficiar dessa rede ativa.

Como exemplo de aspectos positivos, entrei em contato com uma seleção de fotos intitulada: "32 fotos tiradas de crianças brincando ao redor do mundo" que achei sensacional: http://awebic.com/cultura/32-fotos-tiradas-na-hora-de-criancas-brincando-ao-redor-mundo-27-e-mais-divertida/ . Recomendo! São belas imagens de crianças totalmente mergulhadas em suas explorações e que nos abrem a porta da informação e da criação. Nesse sentido, outro exemplo de que esses novos tempos podem nos propiciar muita troca interessante foi a possibilidade de ver essas fotos junto a Mateus.

Achei interessante que durante essa vivência, em momento algum ele mostrou surpresa quanto às diferenças de cores, roupas das crianças das imagens. Seus comentários revelaram desejo de brincar da mesma coisa e estar no mesmo lugar. Vi que um mundo se abriu para ele! Quando ele viu que tinham crianças da África, sua primeira surpresa: "Mas cadê os bichos?", e ao saber que também existem pessoas ele mal acreditou que neste lugar que já há tempos desejava conhecer por conta dos animais também tem crianças - que jogam futebol, outra de sua paixão! Outra surpresa, ver que em lugares distantes (informação dada por mim e não necessariamente entendida plenamente por ele) as crianças brincam das mesmas coisas que ele: jogar bola, pular corda, na água, no mato, com os bichos, fazendo pinturas no corpo. Uma beleza só poder viver com ele essa possibilidade de ver o mundo desse jeito: tão diverso e tão integrado! É o que todos nós, cada vez mais, precisamos aprender para vivermos numa democracia com ética e estética.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Para viver sem medo... Homenagem a Eduardo Galeano

Mais uma perda humana irreparável: a morte de Eduardo Galeano. Siga em paz...

Céu em festa e nós por aqui continuando a enfrentar nossos medos em busca de nossas utopias. Ainda bem que suas palavras podem continuar a nos confortar, provocar e inspirar!

Numa brincadeira - como fiz em minhas homenagens aos também saudosos Manoel de Barros e Rubem Alves - seguem trechos das reflexões de Galeano junto a imagens de meus pequenos:


"O medo ameaça: se você ama, terá Aids; se fuma, terá câncer; se respira, terá poluição; se bebe, sofrerá acidentes; se come, terá colesterol; se fala, terá desemprego; se caminha, terá violência; se pensa, terá angustia; se duvida, terá loucura; se sente, terá solidão.




Para ter fôlego, é preciso ter desalento. Para levantar tem que saber cair. Para ganhar tem que saber perder. Temos que saber que assim é a vida e que você cai e levanta muitas vezes. (...)




Acho que o exercício da solidariedade, quando se pratica de verdade, no dia-a-dia, é também um exercício de humildade, que ensina a se reconhecer nos outros a grandeza escondida nas coisas pequenininhas. O que implica denunciar a falsa grandeza nas coisas grandinhas, em um mundo que confunde grandeza com grandinho.





(...) Ser capaz de olhar o que não se olha, mas que merece ser olhado: as pequenas, as minúsculas coisas de gente anônima, de gente que os intelectuais costumam desprezar. Esse micro-mundo onde eu acredito que se alimenta de verdade a grandeza do universo. Ao mesmo tempo que sejamos capazes de contemplar o universo, através do buraco da fechadura — ou seja, a partir das pequenas coisas é possível olhar os grandes mistérios da vida. O mistério da dor humana, mas também o mistério da persistência humana, às vezes inexplicável, de lutar por um mundo que seja a casa de todos e não a casa de poucos – e o inferno da maioria.





A capacidade de beleza, a capacidade de formosura das pessoas mais simples, às vezes mais singelas, tem uma insólita capacidade de formosura, que às vezes se manifesta em uma canção, em um grafite, numa conversa qualquer — esta que praticam as crianças. Acontece que depois nós, os adultos, nos ocupamos em transformá-las em nós mesmos, e aí destruímos a vida delas. Mas, temos que ver o que é uma criança, não? São todos pagãs.





Faz pouco tempo, sofri uma tragédia, morreu meu companheiro Morgan, meu cachorro companheiro de passeio, que me acompanhava também escrevendo, porque quando eu perdia a mão e já levava 18 horas escrevendo, sua pata me dizia: “vamos, a vida não termina aqui, nos livros, vem, vamos passear juntos”. Aí íamos os dois. Porém, ele morreu. Com isso eu andava com uma música muito ruim na alma. Falando em perdas, realmente, a perda do Morgan foi muito forte para mim. Me arrancou um pedaço do peito. Bem, estava assim, muito triste e saí a caminhar pelo bairro. Era cedo, manhãzinha, não consegui dormir, me vesti e fui caminhar. Cruzei com uma menina muito nova, devia ter uns dois anos, que vinha brincando no sentido contrário. Ela vinha cumprimentando a grama, as plantinhas, “boa dia graminha”, dizia ela. Ou seja, nessa idade, somos todos pagãos, e nessa idade somos todos poetas. Depois o mundo se ocupa de apequenar nossa alma.





Fazíamos a pergunta todos os dias: “para que servia a utopia? Se é que a utopia servia para alguma coisa…” Então disse: “veja bem, a utopia está no horizonte e se está no horizonte, nunca vamos alcançá-la. Porque se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos e se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além. Ou seja, sei que jamais vou alcançá-la. Então para que serve? Para isso, para caminhar. (...)






Na minha infância, eu estava convencido de que tudo o que na Terra se perdia, ia parar na Lua. Sonhos perigosos, promessas traídas, esperanças estilhaçadas, Se não estão na Lua, onde estão? Será que na Terra não se perderam? Será que na Terra se esconderam e estão esperando por nós?




Dizem que o mundo é feito de átomos. Está bem. “O mundo não é feito de átomos, o mundo é feito de histórias”, disse uma amiga. Eu acredito que sim, o mundo deve ser feito de histórias, porque são as histórias que a gente conta e escuta, recria e multiplica. São as histórias que permitem transformar o passado em presente, e também permitem transformar o distante em próximo. O que está distante em algo próximo, possível e visível.



 


O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, fogos de todas as cores. Existem pessoas de fogo sereno, que nem ficam sabendo do vento, e há pessoas de fogo louco, que enche e arde faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros… outros ardem a vida com tanta vontade, que não pode olhá-los sem pestanejar. Quem se aproxima, se incendeia."




(EDUARDO GALEANO, segue vídeo na íntegra abaixo...)





Seguindo essa linha de brincadeira de relacionar suas palavras com imagens, sugiro um link que expôs a mesma proposta: as reflexões de Eduardo Galeano com as obras do artista Marc Chagall. Vale à pena! http://www.contioutra.com/alem-convencional-textos-de-eduardo-galeano-e-obras-de-marc-chagall/ Por Josie Conti no site 'Conti outra'.

Por fim, também sugiro a leitura de um texto de Maria Helena Masquetti "Fim da publicidade infantil, começo de um mundo melhor", republicado no site do Instituto Alana, em homenagem a Galeano: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/fim-da-publicidade-infantil-comeco-de-um-mundo-melhor/

Pietra: seja bem vinda!!!

"Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância." (Mario Quintana)


Nasceu mais uma flor para enfeitar esse mundo: a Pietra, filha do Diego e da Juliana, neta da Carmem e do Mauro, sobrinha do Thiago e bisneta de Dona Maria Ignes, todos muito queridos de minha família, desde a infância de minha mãe passando pela minha e de meus irmãos até hoje, mesmo de longe.

Essa família afetuosa é merecedora de grandes alegrias e certamente saberá aproveitar intensamente a chegada de mais um ser... Parabéns a todos! Que essa pequena lhes traga ainda mais felicidade. estamos muito felizes por vocês.

 
"Saber encontrar a alegria na alegria dos outros, é o segredo da felicidade." (Georges Bernanos)

terça-feira, 7 de abril de 2015

Meninas e seus corpos... livres!

Cá estou, numa tarde em que deveria trabalhar em casa, mas não consegui. Porque hoje ganhei uma companheira: Bebel que está "de molho". Brincamos, brincamos e brincamos, que delícia de menina!

Depois, fiquei um tempão tentando ajuda-la a adormecer, minha menina que assim como Mateus adora um chamego em meus cabelos, para que ela descansasse e eu pudesse fazer minhas coisas (rs). Mas como sempre, desde que meus filhos eram bebezinhos, assim que eles dormem, ao invés de eu me libertar, como gostaria e precisaria, me vejo presa à cena desses seres dormindo, entregues, plenos.

  

 

"Do lugar onde estou já fui embora."
(Manoel de Barros)


São em momentos como esse, ao ver meus pequenos longe de seus corpos, envoltos por lembranças e sonhos, vivendo a plenitude do momento que também consigo me ver longe de mim, preenchida por meus pensamentos, sentimentos, memórias e desejos num verdadeiro encontro comigo mesma, revendo minhas escolhas e tudo que vivi até agora para presenciar essa cena tão sublime.

  

Dizem que tudo o que buscamos, também nos busca e, se ficarmos quietos, o que buscamos nos encontrará.
Há algo que leva muito tempo esperando por nós. Enquanto não chega, nada faça. Descanse. Você verá o que acontece enquanto isto.
Desejo que hoje você experimente paz dentro de si, que confie que você se encontra exatamente onde deve estar, que não se esqueça das possibilidades infinitas que nascem da confiança em si mesma e nos outros, que utilize os dons que recebeu, e que
transmita, aos outros, o amor que lhe foi dado.
Desejo que você esteja feliz consigo mesma pelo que você é. Deixe esta sabedoria assentar-se em seus ossos e deixe que sua alma cante, baile e ame livremente. Está aí para cada uma de nós.

E dance...
Sobretudo, dance...

Clarice Pinkola Estès. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1999.


Talvez por isso, paradoxalmente, é quando me encontro desse jeito, longe de mim, que mais perto estou de mim mesma, pois tudo me faz sentido, mesmo as vivências sendo experimentadas por meio de muitas contradições: sou forte e sou frágil, sou pequena e sou grande, sou confiante e sou medrosa, sou certeza e sou dúvidas, sou poderosa e sou incompleta, sou grata e sou 'quero mais', sou tranquila e sou pilhada, sou única e sou igual, sou a mesma e sou diferente, sou uma e sou muitas. Em meio a meus devaneios começou a passar na televisão (tem no 'youtube' também) "Eu Maior", o qual toda vez que assisto eu reparo em alguma coisa nova. Dessa vez, olhando a TV e minha Bebel, a fala de Vanete me chamou a atenção:




Além de toda pertinência, força e beleza do que Vanete fala, me lembrei agora, vendo minha menina dormir, de quando fomos a uma consulta médica de rotina e Bebel fez o maior chororô do mundo para a médica não examiná-la.

Isabel é um dengo só, quando quer, porque quando precisa ou deseja ela mostra  toda sua obstinação. Confesso que por mais que eu fique incomodada com esse seu jeitão (às vezes chega a me enfrentar, quando coloco limites), no fundo, fico admirada por sua determinação em marcar seus desejos. No episódio da consulta, não tendo, aos nossos olhos, a necessidade de uma colocação tão firme fomos a ajudando a relaxar, o que não aconteceu, e a muito custo ela deixou ser examinada em meus braços. Depois, em casa, conversamos a respeito quando lhe perguntei: "Isabel, porque você não deixou a médica te examinar?", e ela me respondeu:

"Eu não gostei que ela mexeu no meu corpo!"

Um minuto de choque. Essa pequena já tem toda essa noção sobre o próprio corpo???


Senti um misto de coisas... Tanto de preocupação pelo que ela poderia perder na vida ao se fechar a novos contatos (físicos, espirituais...) como senti também muito (mas muito mesmo!!!) orgulho por ela já saber que somos donas de nossos corpos como também de nossos desejos, caminhos, escolhas!

Nosso corpo é um lugar, porque damos valor a ele. Nosso lugar sagrado onde nos encontramos, nos reconhecemos por onde também os outros nos conhecem. Mais que isso, é o lugar onde moram os muitos de nós e os outros que nos habitam também. Por meio de nossos corpos também estabelecemos relações, afetamos, somos afetados. Pensamos, sentimos, desejamos, a nós mesmos e aos outros. Ele diz sobre a gente, fala pela gente, se expressa, ou o contrário, nos esconde (ou seria ainda, os escondemos?). De todo modo, marca nosso lugar no mundo, ou melhor, nossos lugares, já que são muitos, somos muitos. Nossos corpos que controlamos não completamente, porque eles também somos movidos por eles. Nosso corpo que carrega nossas marcas, nossas transformações, o ciclo da vida. Nossos corpos vivos, brincantes! E quando não, morremos também. Ou renascemos.


"O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa."
(Eduardo Galeano)


Aceitarmos e gostarmos de nosso corpo diz muito do tipo de pessoa que somos ou queremos nos tornar, uma escolha que nós fazemos, sempre permeada pelo nosso contexto histórico, por isso é tão sério como as sociedades se configuraram no sentido do exercício da tolerância, da igualdade de direitos e reconhecimento das diferenças entre seus indivíduos. Ainda em nosso tempo contemporâneo, portanto, ser e sentir-se dono do próprio corpo é uma atitude extremamente revolucionária. É tomar consciência de tudo que fomos, somos e podemos vir a ser como indivíduos, agrupamentos e espécie.

Nossos corpos que carregam semelhanças, singularidades e outramentos. Que carregam histórias, muitas histórias, nossa ancestralidade, nossa conexão com a natureza, com nossos lados primitivos, selvagens e com o sistema, do qual somos parte tanto quanto outros corpos são.

No caso da luta das mulheres, essa tomada de consciência tem muita importância. Certamente, por exemplo, Isabel, tendo essa percepção incipiente poderá vir a fazer escolhas, hoje e no futuro, mais coerentes com seu jeito e suas crenças! Hoje, por exemplo, vestir em seu corpo o uniforme junto com os irmãos mesmo sabendo que não ia à escola e passar a tarde fazendo carinho nele diz muito sobre o que esta sentindo e querendo marcar.  (aqui me lembrei de um texto de um pai a uma filha que já recomendei por aqui: http://www.pedrinhofonseca.com/doseupai/2015/2/20/irene).

Minha menina já saber disso aos 2 anos e 3 meses - não à toa ela, que é toda dançarina e escaladora de árvores, cheia de movimentos delicados e precisos, apaixonada por saias e rodopios e desafios - me encheu de ânimo para acreditar que ainda em meio a tantos desafios que ainda vivenciamos, já caminhamos muito como humanidade e por isso temos que comemorar! Afinal, essa conquista de percepção sobre si e/com o outro, neste tempo e espaço, não é só dela, é de todos e todas nós, das muitas 'velhas' em que estamos montadas.


“As modernas contadoras de histórias descendem de uma comunidade imensa e antiquíssima composta de santos, trovadores, bardos, griots, cantadoras, chantres, menestréis, vagabundos, megeras e loucos. Uma vez sonhei que estava contando histórias e sentia alguém dando tapinhas no meu pé para me incentivar. Olhei para baixo e vi que estava em pé nos ombros de uma velha que segurava meus tornozelos e sorria para mim. "Não, não" disse-lhe eu. "Venha subir nos meus ombros, já que a senhora é velha e eu sou nova." "Nada disso" insistiu ela. "É assim que deve ser." 

Percebi que ela também estava em pé nos ombros de uma mulher ainda mais velha do que ela, que estava nos ombros de uma mulher usando manto, que estava nos ombros de outra criatura, que estava nos ombros...                                  

Acreditei no que disse a velha do sonho a respeito de como as coisas devem ser. A energia para contar histórias vem daquelas que já se foram. Contar ou ouvir histórias deriva sua energia de uma altíssima coluna de seres humanos interligados através do tempo e do espaço, sofisticadamente trajados com farrapos, mantos ou com a nudez da sua época, e repletos a ponto de transbordarem de vida ainda sendo vivida. Se existe uma única fonte das histórias e um espírito das histórias, ela está nessa longa corrente de seres humanos."

(Clarice Pinkola Estès, "Mulheres que correm com os lobos")


Porque, afinal, temos muitas histórias para contar às novas gerações, muito a ensinar do que aprendemos com nossas vivências...

Essas notícias, que pelas forças do universo vieram ao meu encontro hoje, são exemplos disso: "A foto de uma mãe com biquíni inspira outras mulheres a exibirem seus corpos com orgulho" ( http://www.brasilpost.com.br/2015/04/04/mulher-aceitar-proprio-co_n_6999872.html) e "Como vivem as mulheres no país mais igualitário do mundo" (http://blogs.iadb.org/ideacao/2015/03/09/como-vivem-mulheres-pais-mais-igualitario-mundo/).

Do mesmo modo as novas gerações têm muito a nos ensinar sobre vivermos a vida de maneira inteira! Ainda mais as crianças, esses seres que tão bem usam e exploram todas as potencialidades de seus corpos, que se entregam às experiências de sentidos, que mergulham com inteireza na vida... com seus corpos. Que continuem assim... livres!
 
 

domingo, 5 de abril de 2015

1° de abril: Redução da maioridade penal

No dia 1° de abril me deparei com a seguinte notícia:

"A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta terça-feira (31) a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. Trata-se do primeiro passo para o andamento da proposta na Casa, no qual os deputados avaliam que o texto está de acordo com a própria Constituição.
O placar da votação na CCJ foi de 42 deputados favoráveis à PEC e 17 contrários."
(https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=7664276753841908786#editor/target=post;postID=444467960688417360;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=0;src=link)


Lembrei-me que nesta mesma data, no ano passado, também fui impactada por uma notícia quando então escrevi numa postagem...

"Cheguei cedo à escola e logo fui surpreendida por duas meninas dizendo que os pais haviam morrido. Ainda sonada consegui reparar o sorrisinho discreto que havia de molecagem gostosa em suas faces e então entrei na brincadeira: "É mesmo, o que aconteceu com eles?" fazendo cara de preocupada, mas também com um sorrisinho na ponta dos lábios, bastante curiosa para saber o que sairia daquela conversa...

1° de abril!" elas logo gritaram em meio às gargalhadas. Ri junto, porque em parte elas realmente "me pegaram" em suas brincadeiras, já que não havia me dado conta do dia específico, esquecida que sou... No restante do dia - fiquei o dia inteiro na escola e muitas outras brincadeiras aconteceram desse tipo: "sabia que vou morar em Miami?", "sabia que eu vou construir uma piscina de sorvete bem geladinha?", "Ju, eu não gosto de você!", e todas essas falas terminavam com muitas, muitas risadas, fazendo com que experimentássemos mais um dia intenso e especial.

Uma sensação de um dia gostoso que veio adoçar o sabor que estava sentindo neste 1° de abril, em especial, pelo impacto causado com um acontecimento do dia anterior, dia 31 de março de 2014. (...)

Esta data marca um episódio triste da história de nosso país, o término a ditadura militar, e que exatamente para não se repetir precisa não apenas ser lembrado como falado, gritado!!!! (...)

Assim, de maneira mais formal, nossa sociedade precisa reconhecer que esse episódio aconteceu (tem gente que não acredita ou não entra em contato com o tamanho da barbárie realizada na surdina), que nessa época os direitos humanos foram feridos, pessoas foram violentadas, mortas e se sobreviveram foram marcadas não apenas no corpo, mas principalmente nas almas como também famílias foram desestruturadas, mentes perdidas, manifestações e expressões reprimidas, ações do Estado deturpadas, perpetuadas, naturalizadas e por vezes, defendidas, e atualmente aclamadas novamente (pasmem!).

Em meio a esse meu 1° de abril, meu dia de brincadeiras e pensamentos sérios, me coloquei no lugar da criança que brinca com aquilo que mais deseja (uma piscina de sorvete) bem como com seu maior medo (que os pais morram) e fiquei também imaginando que a manchete de jornal: "31 de março: aniversário de 50 anos do golpe militar no Brasil" poderia ser também uma grande 'troça' do dia 1° de abril!!! (http://jujuviroumamae.blogspot.com.br/2014/04/1-de-abril.html)


A lembrança dessa reflexão me veio à cabeça, porque em relação à notícia sobre a proposta da redução da maioridade também fiquei com o mesmo desejo de que fosse apenas uma troça de 1° de abril...

Mas infelizmente não é. Sendo assim, é preciso nos posicionarmos.



Essa proposta que esteve engavetada desde os anos 90, saiu de lá pelas mãos de governantes extremamente conservadores - com o consentimento de boa parte da população, incluindo muita gente legal, o que torna a questão ainda mais séria e representativa do momento que estamos vivendo.

Neste blog, espaço de defesa da infância, do humano, da vida, da troca, acredito que precisamos parar um pouco, entender todo o contexto e trocarmos olhares a respeito, para nos ajudarmos em direção à construção de uma sociedade pautada na ética com políticas públicas comprometidas com as crianças e jovens.

Segue então a reflexão preciosa e contundente de Eliane Brum "Para Brasília, só com passaporte - A proposta inconstitucional da redução da maioridade penal vai mostrar quem é mais corrupto: se o povo ou o Congresso", no site do El país: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/30/opinion/1427726614_598600.html.

A leitura do texto na íntegra é essencial, contudo, fiz uma seleção de alguns trechos para pensarmos também sobre duas notícias do dia que de certa forma têm relação com esse assunto. As mortes de dois jovens: o menino de dez anos Eduardo, um dos filhos de Maria Terezinha de Jesus e a de Thomas Alckmin, um dos filhos de Geraldo Alckmin.

As duas perdas são trágicas.

Não sou eleitora Geraldo Alckmin e tenho sérias críticas ao governo do PSDB há mais de vinte anos em São Paulo, contudo, nesta situação me sinto totalmente solidária a ele. Perder um filho é algo tão antinatural, como dizia meu professor Lino de Macedo que nem existe uma palavra para definir um pai e uma mãe "órfãos". Por isso, meus sentimentos sinceros a Geraldo e a sua família.

Não conheço Maria Terezinha, mas reconheço sua história em meio a tantas outras parecidas: a perda do filho, de dez anos, num tiroteio envolvendo policiais, em mais uma situação de seu cotidiano que revela o completo descaso do Estado para com o povo. Por isso, também me solidarizo com sua dor.

Ambas famílias e amigos estão sofrendo, e por isso essas mortes não podem ser usadas por oportunistas políticos para se autobeneficiarem ou para acirrar ainda mais nosso cenário de polarização como se uma perda fosse mais importante que outra. Ambas deveriam nos importar e se não é o que tem ocorrido, temos que pensar a respeito e encontrar a nossa verdade, mesmo que esta denuncie nosso pior lado.

De todo modo, as duas mortes podem ser usadas para analisarmos  nossa sociedade. Entendo, por exemplo, a ampla cobertura da mídia sobre a morte de Thomaz, pela perda de um jovem de maneira repentina num acidente de helicóptero e por tudo o que isso representa, além do fato de eu querendo ou não, seu pai é o governador de meu Estado. Agora, o que não entendo é como a morte de Eduardo e tantos outros como ele, pobres e negros, por tudo o que também representam: perdas de jovens de maneiras violentas, não são noticiadas, sendo vistas apenas como estatísticas. A naturalização dessas mortes me incomoda muito!

Ainda bem que neste caso houve mobilização de parte da mídia e de pessoas do Complexo do Alemão, lugar onde Eduardo morava, para denunciar tantas violências que acontecem diariamente neste e em outros contextos. Precisamos nos ajudar a tomarmos consciência de nossos modos de viver, reconhecendo e deixando de mascarar as violências que produzimos quando, por exemplo, aceitamos as diferenças de valores que são dadas às mortes de cada sujeito a depender de sua classe ou cor, às vezes também fazendo um preconceito às avessas, ou ainda quando achamos que a redução da maioridade penal é uma solução para nossos problemas, o que não procede, porque nossos problemas são outros...


"(...) A redução da maioridade penal como medida para diminuir a impunidade e aumentar a segurança é uma fantasia fabricada para encobrir a verdadeira violência. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Mas são eles que estão sendo assassinados sistematicamente: o Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte por fatores externos de adolescentes no país, enquanto para a população total corresponde a 4,8%. (...)
 
Quem está violando quem? Quem não está protegendo quem? Quem deve ser responsabilizado por não garantir o direito de viver à parte das crianças e dos adolescentes?

Ainda assim, mais de 90% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada em 2013 pela Confederação Nacional dos Transportes, aprovam que se coloque adolescentes em prisões que violam as leis e os direitos humanos mais básicos, no quarto sistema carcerário mais populoso do mundo, em flagrante colapso e incompetente na garantia de condições para que uma pessoa construa um outro destino que não o do crime. Se aprovada essa violação da Constituição, a segurança não vai aumentar: o que vai aumentar é a violência. E a capacidade da sociedade brasileira de produzir crime disfarçado de legalidade.
 
Parte da sensação de que há um exército de crianças e adolescentes perversos, prontos para atacar “os cidadãos de bem”, costuma ser atribuída à enorme repercussão de crimes macabros com a participação de menores de idade. Aquilo que é exceção, ao ser amplificado como se fosse a regra, regra se torna. As estatísticas desmentem com clareza esse imaginário, mas o sentimento, reforçado por parte da mídia, seria mais forte do que a razão. Viraria então uma crença sobre a realidade, manipulada por todos aqueles que dela se beneficiam para justificar seus lucros, seus empregos e sua própria violência, esta sim amparada em números bem eloquentes. (...)
 
Há, porém, uma verdade mais dura sobre nós. É a da nossa alma apodrecida por um tipo de corrupção muito mais brutal do que a revelada pela Operação Lava Jato, com consequências mais terríveis do que aquela apontada com tanta veemência nas ruas. A cada ano, uma parte da juventude brasileira, menor e maior de idade, é massacrada. E a mesma maioria que brada pela redução da maioridade penal não se indigna. Sequer se importa. No Brasil, sete jovens de 15 a 29 anos são mortos a cada duas horas, 82 por dia, 30 mil por ano. Esses mortos têm cor: 77% são negros. Enquanto o assassinato de jovens brancos diminui, o dos jovens negros aumenta, como mostra o Mapa da Violência de 2014.
 
Há uma parcela crescente da juventude negra, pobre e moradora das periferias que morre antes de chegar à vida adulta. Num país em que a expectativa de vida alcançou os 74,9 anos, essa parcela morre com idade semelhante à de um escravo no século 19. E isso não causa espanto. Ninguém vai para as ruas denunciar esse genocídio, clamar para que ele acabe. São poucos os que se indignam e menos ainda os que tentam impedir esse massacre cotidiano.
 
Como é que vivemos enquanto eles morrem? Como é que dormimos com os gritos de suas mães? Possivelmente porque naturalizamos a sua morte, o que significa compreender o incompreensível, que dentro de nós acreditamos que o assassinato anual de milhares de jovens negros e pobres é normal. E, se essa é a realidade, a de que somos ainda piores do que os senhores de escravos, o que essa verdade faz de nós?
 
Acontece a cada dia. E a maioria das mortes nem merece uma menção na imprensa. Quando eu era repórter de polícia e ligava para as delegacias perguntando o que tinha acontecido nas madrugadas, sempre tinha acontecido, mas era visto como um desacontecido. “Não aconteceu nada”, era a invariável resposta dos policiais de plantão. Tinham morrido vários, mas eram da cota (sim, as cotas sempre existiram) dos que podem morrer. Estas seriam as mortes não investigadas, as mortes que não seriam notícia. Crime que merecia investigação e cobertura, já era bem entendido, era de branco e, de preferência, rico, ou pelo menos classe média. Dizia-se, no passado, que a melhor escola do jornalismo era a editoria de polícia. Era, de fato, a melhor escola para compreender em profundidade as engrenagens que movem a sociedade brasileira, porque já na primeira aula se aprendia que a morte de uns é notícia, a de outros é estatística.
 
Assim como os senhores de escravos internalizaram que os negros eram coisas, ou, conforme o momento histórico, uma categoria inferior na hierarquia das gentes, mais de um século depois da abolição oficial da escravatura, a sociedade brasileira naturalizou que existe uma parte da juventude negra que pode ser morta ao redor dos 20 anos sem que ninguém se espante. Se de fato fôssemos pessoas decentes, não era isso o que deveríamos estar gritando em desespero nas ruas? Mas nos corrompemos, ou nunca conseguimos deixar a condição de corruptos de alma.
 
Em vez disso, clama-se pela redução da maioridade penal, para colocar aqueles que a sociedade não protege cada vez mais cedo em prisões onde todos sabem o quanto é corriqueira a rotina de torturas e estupros, sem contar a superlotação que faz com que em muitas celas seja preciso alternar os que dormem com os que ficam acordados, porque não há espaço para todos ficarem deitados. Como se já não soubéssemos que as unidades que internam adolescentes infratores, contrariando a lei, são na prática prisões, infernos em miniatura, com todo o tipo de violações dos direitos mais básicos. Alguém, nos dias de hoje, pode alegar desconhecer que é assim? E então, como é possível conviver com isso? (...)
 
É verdade que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. É o que descobriu Alan de Souza Lima, de 15 anos, em fevereiro, na favela de Palmeirinha, em Honório Gurgel, subúrbio do Rio. Morreu com o celular na mão, e só por isso deixou de ser apenas estatística para virar narrativa, com nome e sobrenome e uma história nos jornais. Alan estava conversando com mais dois amigos e gravava um vídeo no celular. Acabou documentando a sua agonia, depois de ser baleado pela polícia. Como de hábito, a corporação alegou o famoso “confronto com a polícia”, o argumento padrão com que a PM costuma justificar sua assombrosa letalidade, uma das campeãs do mundo. E de imediato acusaram os três de estarem armados e de resistirem à prisão. Mas Alan morria e gravava. A gravação, que foi para a internet, mostrava que não resistiram. Chauan Jambre Cezário, de 19 anos, foi baleado no peito. Ele vende chá mate na praia e sobreviveu para dizer que nunca usou uma arma. A culpa dos garotos era a de viver numa favela, lugar onde a lei não escrita, mas vigente, autoriza a PM a matar. No vídeo há uma frase que deveria estar ecoando sem parar na nossa cabeça. Quando um dos policiais pergunta aos garotos por que estavam correndo, um deles responde:
- A gente tava brincando, senhor.
 
A frase deveria ficar ecoando na nossa cabeça até que tivéssemos o respeito próprio de nos levantarmos contra o genocídio cotidiano de parte da juventude do Brasil.]

A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
 A gente tava brincando, senhor. E então o senhor atirou. Feriu. Matou. (...)
 
Mas algo se move na realidade, com pouco apoio da maioria da sociedade e escassa atenção da mídia. No fim de fevereiro, foi instalada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio”. Sua criação é uma enormidade na história do Brasil, um marco. Depois de apurar os crimes da ditadura, uma comissão para investigar os crimes praticados pelo Estado na democracia. Em busca de provas no passado recente para que tenhamos um futuro.

“Mães de Maio”, que empresta o nome à comissão, é um grupo de mulheres que perderam seus filhos entre 12 e 20 de maio de 2006, quando uma onda de violência tomou São Paulo a partir de confrontos da polícia com o crime organizado. Foram 493 mortes neste período, pelo menos 291 delas ligadas ao que se convencionou chamar de “crimes de maio”. Pelo menos quatro pessoas continuam desaparecidas. Edson Rogério, 29 anos, filho de Debora Maria da Silva, líder do “Mães de Maio”, foi executado com cinco tiros. A suspeita é de que os autores do assassinato sejam policiais. Segundo Debora, seu filho gritava antes de ser morto: “Sou trabalhador!”. Seu assassinato segue impune. Edson morreu na mesma rua que, como gari, havia varrido pela manhã.
 
Nem as centenas de assassinatos de maio de 2006, nem as mortes aqui relatadas ocorridas há pouco, exemplos do genocídio cotidiano, moveram sequer um milésimo da revolta provocada por crimes com a participação de menores em que foram assassinados brancos de classe média ou alta. Seria demais esperar que um assassinato fosse um assassinato, independentemente da cor e da classe social? Menos que isso é aceitar que a vida de uns vale mais do que a de outros, e que essa hierarquia é dada pela cor da pele e pela classe social. Se é assim que você compreende o valor de uma pessoa, diga o que você é diante do espelho. Não para o mundo inteiro, para você mesmo já basta.
 
Sim, esse Congresso comandado por dois políticos investigados por corrupção é, ressalvando as exceções, que também existem, uma vergonha. Mas minha esperança é que, no que se refere à proposta inconstitucional da redução da maioridade penal, o Congresso seja melhor do que o povo brasileiro. Tenha grandeza histórica pelo menos uma vez e diga não a nossas almas tão corrompidas. (...) " (Eliane Brum)


Hoje, neste domingo de Páscoa, em que Jesus, para quem acredita mesmo não sendo católico como eu, nos ensinou que o outro nos importa e por ele vale à pena lutar e até mesmo morrer, indico a leitura de outro texto muito bom, de Nara Rúbia Ribeiro, sobre a cena da menina síria que rendeu as mãos diante de uma máquina fotográfica ao pensar que tratava-se de uma arma. http://www.contioutra.com/sobre-a-menina-siria-que-se-rende-ao-confundir-camera-fotografica-com-uma-arma/
 
"Deus! Que mundo é este, onde a inocência caminha de mãos levantadas e a alma do mundo não sangra, e os olhos dos homens não choram, e a dor já não nos pode chocar? (...)
 
A dor do outro é estatística. “Quanta mortes, mesmo, na Síria? Quantos desabrigados no Acre? Quantas mulheres são agredidas por ano? Quantas crianças são estupradas por parentes próximos?” Não! Essa postura desmerece o infinito que somos, desautoriza a angelitude a que estamos destinados, desmente a centelha do Eterno que permeia a alma de cada um de nós!
 
Necessitamos ver o outro como parte desprendida, mas ainda ligada a nós por lanços infindáveis de natureza espiritual. Ninguém pode ser plenamente feliz enquanto um só de nós estiver de braços levantados, rendida criança assustada pelos estrondos da guerra, cativa da dor e da morte. Esfomeada de uma Justiça que ela não pode compreender ou dizer, mas, humana que é, já a pode desejar e de sua falta se ressentir.
 
Que esta criança que hoje vi de mãos levantadas por confundir a câmera com uma arma possa ainda, é o que utopicamente desejo, levantar novamente as suas mãos, mas não por medo. Que ela ainda possa, na pontinha dos pés, elevar os seus braços para brincar com as estrelas." (Nara Rúbia Ribeiro)


E boa Páscoa a todos e a todas! Que novos e melhores tempos venham a partir de nosso esforço em conviver em paz!