domingo, 4 de setembro de 2011

Lembranças que servem de lição - Gabriel

Algumas pessoas que leram a postagem anterior me falaram: "Nossa, como você lida bem com os tombos das crianças, como consegue?". Quero novamente frisar que morro de aflição ao ver certos machucados e que fico muito mexida quando alguém cai (principalmente quando é um aluno ou o Mateus), entretanto, tenho muita clareza de que alguns tombos fazem parte da vida, e por isso quando estes ocorrem me esforço para lidar bem com eles. Agora, certamente os acontecimentos de minha vida me influenciaram a desenvolver essa atitude frente aos tombos, e nessa postagem quero resgatar rapidinho um deles em especial: a história de meu irmão Gabriel.

Gabriel é meu irmão caçula, nascido depois do Raphael. Veio por acidente, mas com certeza nessa vida nada é por acaso. Gabriel chegou ao mundo para aproveitar a vida intensamente e nos ensinar a aproveitar a nossa. Nem sei o que seria de minha família se ele não existisse; provavelmente teríamos que inventá-lo, pois caso contrário seríamos muito chatos. Foi ele quem nos deu leveza apesar de ter sido justamente ele quem passou por situações muito pesadas em sua vida.

Logo que nasceu detectaram um cisto embaixo da língua e ele foi submetido a uma cirurgia que deu super certo. Em seguida, descobriram que ele tinha "atresia das vias biliares", isto é, havia uma obstrução nessas vias. Fizeram mais uma cirurgia, a qual os médicos chamaram de "tapa buraco", pois a solução definitiva seria um transplante de fígado - procedimento raro na época e arriscado para crianças. Assim, a única coisa a ser feita era rezar, já que os médicos não davam um dia de vida para ele... E rezar muito para a cirurgia "tapa buraco" durar o mais tempo possível até Gabriel ter mais idade para realizar o transplante que que anos depois provavelmente já seria uma prática corriqueira. Contudo, até esse dia chegar Gabriel teria um acompanhamento próximo de exames e hospitais e por isso seria mais prudente, segundo alguns médicos que ele levasse uma vida reclusa, pois um pequeno tombo poderia danificar o baço (que no seu caso trabalhava dobrado) e tudo iria por água abaixo. Outros médicos, por causa desse quadro, insistiam que ele nem precisaria frequentar escola, e era melhor deixá-lo aproveitar o pouco tempo de vida que ele tinha.

Diante dessa situação o que a maioria dos pais faria pelo bem de seus filhos? Limitariam a vida do filho, claro. "Não pode isso, não pode aquilo", "Não sobe aí, desce daí", "Não vai sair, não vai brincar", "Pára com isso que é perigoso. Vai cair, vai cair, vai cair", "Faz o que quiser, você manda". Mas meus pais não fizeram nada disso. Com o coração na mão e muita fé de que tudo daria certo eles proporcionaram ao filho uma infância normal e tranquila... Quer dizer, não tão tranquila, já que Gabrielzinho era da "pá virada", aprontava tudo e mais um pouco: surfava no lago sendo puxado pelos rabos dos cavalos, esvaziava extintor de incêndio do prédio, estourava bombinha, escalava as árvores mais altas, caía dos cavalos, mergulhava nas cachoeiras, soltava gato pela janela com pára-quedas, levava advertências no colégio por soltar gases... um danado de moleque que teve uma infância muito, muito FELIZ!!! E que por consequência fez a minha infância, a do Rapha e a de nossos primos e amigos também muito feliz.

Com certeza esse é um grande ensinamento para mim como filha, irmã, mulher, educadora. Agora, como mãe, fico pensando o quanto deve ter sido difícil para meu pai e minha mãe manterem essa decisão apesar de todos os riscos envolvidos, mas ao fechar os olhos me lembro deles nos falando com clareza e segurança de que risco existe para todo mundo e que por isso não tirariam o direito do Gabriel de usufruir plenamente de sua vida. E foi isso essa lição importante que aprendi com eles: para viver, é preciso coragem para se arriscar! Afinal, nem mesmo quem leva a vida mais pacata do mundo está livre de se envolver num acidente e sofrer danos sérios ou até morrer. Por isso, é melhor desfrutarmos da saúde que temos e aproveitarmos a vida - com segurança, claro (outra coisa que eles sempre nos alertaram - e ainda alertam).

Também fico pensando que mesmo com toda a clareza que meus pais tinham da escolha que fizeram, nos momentos em que Gabriel levava uns tombos deve ter lhes batido uma dúvida se o que estavam fazendo estava certo. A esse respeito só posso chegar à conclusão mais óbvia do mundo: nesses momentos, o sorriso do filho durante cada brincadeira deve ter sido totalmente reconfortante aos seus corações de pais aflitos, amorosos e corajosos, e então eles voltavam a ficar em paz - até o próximo tombo, claro. (rs)


Ah, importante: aos 12 anos Gabriel fez o transplante de fígado que foi um sucesso, contrariando os prognósticos dados por alguns médicos (ainda bem que existiram os médicos que lutaram por ele). E apesar de até hoje roer minhas unhas por causa deste episódio Biel está ótimo. Tornou-se advogado e sonha em trabalhar na área de Direito Ambiental, e claro, continua o mesmo comediante de sempre. Amo!     

13 comentários:

  1. Ju querida,
    amei esse seu texto.
    No começo do ano passado descobrimos um tumor do tamanho de um ovo no cerebro do Robi, meu irmão mais novo. A sensação de querer proteger do mundo é gigante até hoje, que ele ainda corre o risco de ter convulsões, (e olha q ele já tem seus 20 e poucos anos), mas é mesmo preciso viver e confiar... Ainda bem!

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  2. Ligia querida, é isso mesmo... a difícil e deliciosa arte de viver.
    beijos grandes pra vcs duas

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  3. Tem um monte de gente que não está conseguindo postar (porque é mesmo uma m...) e então resolvi colocar todas devolutivas que recebi...

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  4. Lindo o texto!

    Beijos

    Raphael Parreira

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  5. Juliana, querida sobrinha-neta: adorei seus textos! Parabéns!!! Peço-lhe licença para publicá-los na coluna "Crônica da cidade" do nosso jornalzinho, para deleite de tanta gente e de tantos que admiram vc e todos os seus: Mateus, Felipe, vó Cleo e vô Parrreira, tios Raphael e Gabriel, bisa Regina...
    Abração do tio Benedicto Ernesto e Dionéa (Néia)

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  6. Ju querida,

    muito obrigada por me proporcionar tanta emoção! Lindo texto, maravilhosa lição de vida! Garota, você é demais. Sua família toda é demais! Parabéns!!! Beijinhos a todos,

    Tia Vi

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  7. Fiquei super emocionada em ler este texto. Primeiro porque vivenciei parte dele e também porque as lembranças que tenho de todos vocês, me fez chorar de emoção , as palavras da Ju. Que texto lindo, que palavras sabias e emotivas. Muitos beijos a vocês amigos queridos.

    Carmem

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  8. Minha afilhada querida Chorei ao ler seu texto, lembrando das situações difíceis que o Gabriel passou e da coragem de minha grande e batalhadora amiga Cleo e claro, do Parreira também.

    Você se transformou numa mulher muito linda e madura; talvez toda essa história tenha ajudado a formar seu caráter. Admiro sua mãe que nem sei tanto, além de achar que ela é minha irmã de coração, você é minha afilhada do coração mas o Gabriel é meu herói, ETA garoto batalhador, divertido e amigo – uma lição de vida esta família.

    Beijos especiais ao Mateus

    Ana Christina, sua madrinha

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  9. CHORANDO ATÉ AGORA !!! SÓ DE LEMBRAR DESSE TEMPO BOM QUE PASSAMOS COM NOSSO BIEL, QUE HOJE GRAÇAS A DEUS ESTÁ UM HOMÃO LINDO E FELIZ !!! NUM CONSIGO ESCREVER MAIS!! BEIJOS

    Karina Baburich

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  10. E ai Ju...td bem...

    Adorei o q escreveu, além do mas aprendi muitas coisas com vc...
    Tenho sorte de ter uma familia, tão unida como a nossa.


    Bjs do seu irmão caçula...Gabriel.

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  11. Ju, lindo texto!!!! Lembro um pouco, bem pouco na verdade, mas lembro o quanto o Gabriel fazia bagunça, ele nos proporcionou muitos momentos de mta risada!!!! Beijos

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. muito bom poder contar com todo mundo nesse movimento de lembrar e agradecer, chorar e dar risada.
      Ligia querida, tenho certeza de que a vida dele foi muito bem vivida. se passaram 6 meses, né? desejo que que a vida de vcs possa seguir com muita vivacidade! bj grande

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