quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Cai, cai balão

Cai, cai balão
Cai, cai balão
Aqui na minha mão
Não cai não, não cai não, não cai não
Cai na rua do Sabão

Outro dia, durante uma festa, uma criança de uns dois anos ficou por um bom tempo debaixo da saia da avó, sem brincar e sem aceitar aproximações de outras pessoas. Num determinado momento da festa ela finalmente aceitou a aproximação do primo que em seguida a convidou para um divertido pega-pega. Com animação a menina correu em disparada atrás do primo com um largo sorriso no rosto. Uma cena linda de morrer... Porém, logo interrompida pelos gritos da avó: "Vai cair, vai cair, vai cair". Dois minutos depois lá estava a menina de novo debaixo de sua saia e com o sorriso de outrora substituído por uma chupeta. Uma cena triste de morrer...

Fiquei com vontade de lembrar essa avó da coisa mais óbvia do mundo: criança cai, não tem jeito! Esperar que elas não caiam as cercando de cuidados exagerados é não só lutar inutilmentente contra a lei da gravidade, mas principalmente contra o curso natural de nossas vidas: caímos para aprendermos a nos levantar, e para ficarmos em pé, temos que cair. Além disso, aprendemos que se não podemos evitar alguns tombos podemos ao menos suavizar o impacto das quedas. Assim, desestimular as crianças a correr, brincar, se pendurar, balançar, girar, pular apenas pelo receio que temos delas caírem ou para evitarmos que elas se frustrem em suas experiências é tirá-las o direito de viver suas próprias vidas plenamente. E isso é muito sério.

Desde que nasce, o bebê está em movimento para explorar o mundo por meio de seu corpo, já que encontra-se no estádio sensório motor. "Antes de poder pensar o mundo ele o sente. Utiliza-se de uma área no cérebro chamada límbico, responsável pelas emoções, pela memória e por funções vitais como respiração, digestão, circulação etc. Utiliza-se também de todo seu sistema sensorial - tato, visão, audição, olfato -, das sensações de seu corpo no espaço, para conceber a si e ao mundo que o rodeia." (1). O movimento tem então um papel essecial na construção de toda potencialidade humana. "O homem constrói-se ao mesmo tempo que seus gestos e, à medida que age, se expressa toma consciência de si" (2). Por tudo isso, a exploração do corpo com o espaço e as pessoas é extremamente importante para o desenvolvimento humano e deve ser por nós, adultos cuidadores observada, estimulada e respeitada. "São as atividades e interações propostas a ela que permitem o reconhecimento e expansão de suas qualidades" (3).

Se uma criança deixa de correr pelo espaço (sendo que este é propício e seguro a essa atividade) ela está perdendo a chance de relacionar-se com seu corpo e o mundo, e dessa maneira também perde a chance de desfrutar da coragem que tem desde que nasceu ao buscar por suas conquistas além de aprender a lidar com a frustração de não conseguir ter êxito no que pretendia fazer, descobrindo que assim mesmo, ganhará um acalento da pessoas queridas ao seu redor. "Serão as experiências vividas por esse pequeno ser humano que imprimirão em seu cérebro caminhos, atalhos e trilhas que ele utilizará pelo resto da vida para relacionar-se com outros humanos, 'amar, desamar, amar' (Carlos Drummond da Andrade), sonhar, imaginar, construir filosofias, as matemáticas, as ciências, as artes" (4).

Claro que não estou dizendo para deixá-las à mercê da vida, até porque acredito que todas crianças merecem e precisam de cuidadores que zelam por suas vidas e por isso as protegem, respeitam seus processos e as estimulam a levantarem-se quando caem. Também não estou dizendo para inventarmos situações para elas caírem forçosamente e assim "aprenderem" uma lição, já que a própria vida se encarrega de ensiná-las lições - tudo no seu devido tempo e à sua sábia e misteriosa maneira. Muito menos quero dizer que devemos satisfazer todas as suas vontades. Colocar limites claros e firmes também é essencial nesse processo de formação das crianças para que tenham referências, por exemplo, sobre o que pode e o que não pode, o que é perigoso e o que não é e o que é ou não adequado. Apenas estou dizendo que os tombos da vida são inevitáveis e por isso mesmo é melhor as ajudarmos a evitar os possíveis, e quando alguns ocorrerem em suas trajetórias ajudá-las a lidar com eles.

Sei que não é fácil ver alguém cair, pelo contrário: é muito difícil. Agora como mãe meu coração chega a doer a cada tombo que Mateus leva, isso quando a culpa não me domina. Mas nesses momentos tento me conter, pois sei que esses sentimentos são meus e não dele, e caso ele caia ele precisará de mim inteira para acolhê-lo e incentivá-lo a seguir adiante... por conta própria! Sim, pois por mais que eu seja companheira dele por toda a vida, nas suas conquistas e desafios, os tombos, as dores e os aprendizados serão sempre dele. Como li outro dia, os pais devem estar ao lado dos filhos e, com o coração apertado, dizer: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”.


Todas as citações em destaque são de ANDRÉ TRINDADE, psicólogo e picomotricista. In "GESTOS DE CUIDADO, GESTOS DE AMOR" (páginas 24, 37, 30, 27 respectivamente). Recomendo muito!
Texto mencionado no final de minha postagem é: "MEU FILHO, VOCÊ NÃO MERECE NADA", de ELIANE BRUM, joarnalista, escritora e documentarista. In: http://www.stellabortoni.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3297:te-vira-meu-filhoessa-briga-e-tua&catid=45:blog&Itemid=1 Recomendo também!

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