Por um tempo desejei ter quatro olhos...
Saber que eu tinha dois pares de olhos me fitando profundamente
sem poder retribuir à altura – com um olhar profundo, penetrante, num tempo a
perder de vista me causava uma aflição sem fim. Olhava pra uma, depois pra
outra, pra outra, depois pra uma. Medo dessa divisão não ser suficiente, de não
conseguir estar inteira com cada uma, de nossa relação ser sempre com base na
falta.
No dia a dia, nesses encontros e desencontros, nós 3 fomos
nos conhecendo, nos afinando, construindo nossas maneiras de interagir, dentro
das possibilidades. Nesse processo, fui me deslumbrando com minhas meninas, com
as duas e com cada uma em principalmente como havia de naturalidade e
generosidade por parte delas para com a mãe que desejava se multiplicar, mas
não podia. Não pelo menos naquele início de construção e de afirmação.
Outro maravilhamento me aconteceu à medida em que, com muito
empenho, consegui também ser mais generosa comigo mesma, nos momentos
necessários de escolha “para quem olhar”, e a agir com naturalidade diante
desse meu contexto familiar repleto de afeto.
Assim, fui percebendo que posso sim me multiplicar, tendo
até mesmo seis olhos! É uma questão de estar em sintonia com meus pequenos, de
estar focada no que é essencial, e tomar decisões. Essa parte, em nada uma
tarefa fácil, contudo, tomar consciência de que as escolhas podem me favorecer
ao invés de me limitar foi para mim uma mudança de paradigma interna.
“o professor é a pessoa; que a pessoa é o professor; que é impossível
separar as dimensões pessoais e profissionais; que ensinamos aquilo que somos e
que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Dessa forma,
discute-se a importância de os professores se prepararem para um trabalho sobre
si próprios, para um trabalho de auto-reflexão e de auto-análise.” (Antonio
Nóvoa)
Iniciar, neste ano, o desafio como orientadora me fez
relembrar esse meu desejo de outrora, uma vez que recebi 288 olhinhos de uma
vez só... Sem mencionar os olhos das professoras, dos pais... Tamanha emoção e
orgulho em ter sido para eles uma espécie de anfitriã a um novo ambiente, a um
mundo de novas possibilidades, em suas potencialidades ainda mais potentes. Da mesma maneira eles também foram anfitriões para mim, nessa nova função em que muitas vezes só é possível ver por meio dos olhos dos outros nesse processo de outramento.
As transformações em nós mesmos são do tipo “caminho sem
volta”. Portanto, sabia da possibilidade de eu me multiplicar. Por outro lado,
também fui multiplicando meus olhares, podendo reconhecer que fazer escolhas de
olho no olho, do mesmo modo, é essencial, principalmente quando tomo dimensão
do desafio da escolha – tenho refletido e vivido intensamente que ao invés dela
nos aprisionar ela pode nos libertar, vide nossa recente vivência de eleição
para presidente. Nesse sentido, poderia ter apenas um olho só ou mesmo nenhum,
desde que eu continue encharcada no desejo de ver além do que vejo, ou melhor,
de sentir além dos meus sentidos, no campo de experimentação – meu, do outro,
nosso.
Uma conexão que exige de nós presença e seriedade para a
tomada das decisões nesse nosso papel de escola que tem o compromisso de
possibilitar que cada um dos seres que compõem a escola, inclusive nós mesmos, por
meio de um contexto coletivo de trocas de olhares, saiamos diferentes das
experiências. Tomando consciência de nossos erros, acertos, medos, alegrias,
semelhanças e diferenças, com uma visão mais ampla de cada um de nós, do outro,
da gente junto, da gente se reconhecendo, se pertencendo, nesse mundo tão
grande, diverso, que pode ser olhado e sentido de diversas maneiras, e que
precisa estar dentro da escola assim como a escola como parte desse mundo. Mundo maior.
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