domingo, 24 de agosto de 2014

Antes de ser mãe

Outro dia, navegando pelo facebook, me deparei com um relato de Lívia Sobota, no qual ela compartilhava uma frase que sempre diz à sua filha: "Sabia que foi você quem me tornou mãe?", e em seguida uma fala, na mesma direção, da filha ao irmão mais novo: "Sabia que foi você quem me tornou irmã?". Além da lindeza dessas relações, fiquei também sensibilizada, porque sempre disse a mesma frase para Mateus (do mesmo modo que falo às minhas meninas: "graças a vocês duas eu coloquei mulheres 'porretas' nesse mundo!"). Contudo, nessa ocasião pude me dar conta de que havia um tempo não a declarava em voz alta para meus pequenos escutarem. Falei então à Carolina e Isabel que gargalharam com suas caras de sapecas e depois fui falar para Mateus...

Quando bem pequenininho, Mateus me fitava nos olhos, com aquele olhar profundo e misterioso que só os bebês têm. Sentia que cada vez que sussurrava em seu ouvido aquelas novas palavras, para nós dois, elas iam fazendo mais sentido, ganhando força dentro de mim e certamente também dentro dele. A cada sussurro, o olho no olho continuava presente junto de novos gestos de carinho, agora também por parte dele. Já mais crescido, vieram os sorrisos, as gargalhadas, os pedidos de repetição e as declarações apaixonadas, também por parte dele. Uma construção de afeto e tanto!

Ontem, falei novamente para ele: "Mateus, sabia que foi você quem me tornou mãe?". Com um sorriso aberto e cheio de orgulho, ele sinalizou que sim, recebendo mais uma vez meus abraços e beijos calorosos. Em seguida, meu menino, que hoje consegue expressar mais claramente todas as reflexões, pesquisas e saberes que todos seres humanos possuem, de maneira ainda mais efervescente na infância, me olhou nos olhos com seriedade e curiosidade, e me perguntou:

"E antes você era o quê?"

Cri cri. Cri, cri.

Tanta coisa, mas tanta coisa mesmo passou pela minha cabeça e pelo meu coração...

Então comecei a falar: "Antes eu era...", mas logo parei, porque percebi que precisava elaborar com mais cuidado como contar para ele sobre as inúmeras reflexões que tive a esse respeito desde o impacto da chegada dele em minha vida. Afinal, meu menino continuava me olhando com atenção de um ser que quer e merece uma resposta simples e profunda tal qual foi sua pergunta.

O que eu era antes de Mateus em minha vida? E o desafio: como contar de maneira simples e sincera ao meu menino? Mais um tempo de silêncio nesse diálogo com um enorme barulho dentro de mim....

Na verdade, eu era tanta coisa que ainda sou, tanta coisa que se transformou e tantas outras que abandonei, algumas por opção, outras por necessidade e ainda outras sem nem perceber, ter controle. Hoje, como ontem, tenho minhas certezas e incertezas, minhas buscas e utopias, meus sonhos e meus limites, meus encontros e desencontros. Desde o nascimento dele, e depois das minhas meninas,  tudo ganhou mais sentido, maior força e densidade em minha vida, mas acho que valorizar esse meu momento em detrimento do antigo me soa incoerente, pois afinal, tudo que vivenciei, até mesmo os erros, foram partes importantes dessa construção. Hoje sou o que sou, tenho o que tenho, sonho o que sonho graças às diversas vivências que tive. Nesse sentido, atualmente, quando me esforço, vejo que os erros podem ser vistos como acertos. Além disso, em minha trajetória tive a sorte e a iniciativa de ter podido rever minha postura e ajustar algumas delas, amadurecendo nesse processo.

Existem alguns movimentos essenciais de todo ser humano que desde tempos remotos vêm garantindo a sobrevivência de nossa espécie. Dois deles parecem contraditórios, mas são extremamente interdependentes: o de resistência frente ao novo, afinal, não conseguiríamos nos estruturar o tempo todo se aceitássemos com facilidade toda novidade que nos aparece. Nesse sentido, a resistência é positiva, pois revela nossa identidade, nos dá suporte e assegura o que nos importa. Ao mesmo tempo, quando tomamos consciência de nossa incompletude, precisamos em ir busca do novo que nos agrega e acrescenta mesmo que por meio de desequilíbrios angustiantes, e em geral, ao final, tomamos nova forma, mais larga, mais consistente. Do mesmo modo, viver em grupo, cuidando, ensinando e aprendendo uns com os outros nos oferece desafios e aprendizados únicos.

Minha decisão de ser mãe amadureceu aos poucos de um jeito racional, mas explodiu mesmo de um jeito puramente emocional, como tem de ser. Desde então vivencio momentos bastante desafiantes que exigem de mim energia, bom senso e tranquilidade para lidar com cada questão. Cresci ainda mais, principalmente porque me conectei ainda mais à humanidade, ter filhos me trouxe a sensação de pertencimento. A começar por ter a chance de experimentar o que minha mãe e meu pai sentiram com meu nascimento e depois com os de meus irmãos. Antes, era só filha. Agora, filha e mãe. Gratidão eterna a cada um deles, por todo esforço e amor que tiveram comigo, e cada vez tenho mais certeza de que o melhor jeito de agradecer é aproveitando bem minha existência, para que cada gesto deles tenha valido muito à pena e pelo compromisso ético com a vida, a nossa e a do outro. A sensação de ser responsável por um ser (no meu caso três), tem inúmeras facetas, a de maravilhamento por ter gerado seres divinos, a de grandiosidade pela própria existência, me sinto muito, muito poderosa. Por outro lado, exatamente por toda a dimensão do que temos em mãos, vem algumas angústias como de não dar conta, não ter controle de tudo, e alguns medos pelo que possa vir a acontecer com o outro e até comigo mesma tendo eu papel tão importante na vida desses pequenos. Por outro lado, a responsabilidade me move, me faz se superar, enfrentar, me controlar, confiar, ter fé. Fé na vida, fé em Deus, fé nas pessoas e no amor. E o amor... esse que move montanhas, que nos faz abraçar e beijar infinitas vezes, amor maior do mundo esse amor. Amor que deve ser experimentado em sua plenitude, mas como tudo exige seus cuidados, tem seus desafios. Amor que vale à pena.

Assim, minha vida anda corrida, mas anda boa, bem boa. Diante dos desafios, tenho me proposto a transformar a dificuldade em possibilidade de superação num tom leve de vida que percorre seu rio natural. Olhando para trás, tem mesmo um monte de coisa que sinto saudade e sempre vou sentir, de momentos, pessoas, situações e até de mim mesma.  Contudo, de jeito nenhum, mas de jeito nenhum mesmo, troco a minha tão amada e imperfeita realidade - a melhor possível que venho conseguindo construir e significar. E a bem verdade é que a saudade, essa danada, está sempre presente, pois já a venho experimentando até mesmo como mãe quando morro de saudade de meus 3 filhos bebezinhos... Passou tão rápido.

Por fim, acabei contando para Mateus do melhor jeito que consegui naquele momento. Disse a ele que na verdade o que eu era antes de seu nascimento, era de certa forma o que continuava sendo: uma mulher. Só que antes não tinha filhos. E ter filhos na vida de uma mulher faz toda a diferença. Tudo que penso, sinto, faço e desejo desde então é muito diferente, ainda que continue fazendo e sentindo algumas coisas parecidas. Também lhe contei que ele, sendo meu primeiro filho, foi quem me mostrou que o universo é muito maior e melhor do que imaginava. Tudo que passei a viver tem sido tão incrível desde então que quis ter mais filhos, gosto muito, muito do que me tornei e principalmente do que os três vêm virando... Orgulho danado de bom.

De todo modo, sei que ainda vou continuar minhas divagações e com a ajuda de meus filhos descobrir outras coisas. Esta foi apenas mais uma conversa com meu filhote, e certamente terei ainda muitas outras, não menos profundas do que aquelas que tínhamos quando ele era um bebê.



Agora, para rir desse papo de vida antes e depois de filhos segue um curta "Pai, pai" promovido pelo "Porta dos fundos". Genial, como sempre.

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RJBy4ob_ePI

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