sábado, 5 de abril de 2014

1° de abril: Ditadura

Sou ruim de data, bem esquecida mesmo, e nas poucas vezes em que me lembro de algum aniversário, por exemplo, sou dessas que só no caminho para a festa me dou conta de que não comprei uma lembrança especial (não aquela comprada correndo em cima da hora, e sim aquela realmente pensada especialmente para a pessoa) ou que não fiz um gesto carinhoso como um cartão ou uma declaração. Até mesmo nos meus aniversários acontece coisa semelhante... É somente na véspera que acabo (estimulada pela minha companheira de aniversário, minha sogra Mirna) fazendo alguma comemoração pequena, e depois, sempre me arrependo de não ter me programado melhor, chamado mais pessoas, organizado o evento com mais cuidado e carinho.

Acho que para mim, é apenas quando eu vivo ou me aproximo de uma data especial ou ainda quando outras pessoas me movimentam que tomo contato com a dimensão da coisa toda e do que cada ocasião me provoca além do sentido do tempo em nossas vidas, de estarmos junto de pessoas queridas, de celebrarmos, e a depender do propósito de cada evento, finalmente me embriagar das emoções sentidas: diversão, emoção, lembrança, reflexão, crescimento, agradecimento, oração.

Nesta semana aconteceram algumas datas especiais em minha vida...

O aniversário do Luiz, que foi comemorado de maneira simples aqui em casa, com a criançada de pijama e animada de todo jeito... Mateus querendo saber se a festa do pai seria de super-heróis e acabamos dando o nome de "festa da pizza", querendo fazer a todo custo brigadeiros e comendo com animação, junto das irmãs, comilonas de sempre. Mil gracinhas, risadas com todos nós relembrando as histórias remotas e recentes. Aquele papo de família de todo dia, toda hora que com o tempo aprendi a valorizar demais... Muito bom.

E outras duas datas que também inspiraram essa postagem... Segue uma reflexão a respeito:


Cheguei cedo à escola e logo fui surpreendida por duas meninas dizendo que os pais haviam morrido. Ainda sonada consegui reparar o sorrisinho discreto que havia de molecagem gostosa em suas faces e então entrei na brincadeira: "É mesmo, o que aconteceu com eles?" fazendo cara de preocupada, mas também com um sorrisinho na ponta dos lábios, bastante curiosa para saber o que sairia daquela conversa...

"1° de abril!" elas logo gritaram em meio às gargalhadas. Ri junto, porque em parte elas realmente "me pegaram" em suas brincadeiras, já que não havia me dado conta do dia específico, esquecida que sou... No restante do dia - fiquei o dia inteiro na escola e muitas outras brincadeiras aconteceram desse tipo: "sabia que vou morar em Miami?", "sabia que eu vou construir uma piscina de sorvete bem geladinha?", "Ju, eu não gosto de você!", e todas essas falas terminavam com muitas, muitas risadas, fazendo com que experimentássemos mais um dia intenso e especial.

Uma sensação de um dia gostoso que veio adoçar o sabor que estava sentindo neste 1° de abril, em especial, pelo impacto causado com um acontecimento do dia anterior, dia 31 de março de 2014.

Um acontecimento que na verdade já era sabido previamente, mas como disse, é apenas na vivência da data que tomo clareza do que realmente ela revela ou se propõe, e portanto, apenas no dia 31 tomei contato com toda a história que essa data representava, e fiquei bem sensibilizada, e até me sentindo culpada por não ter me conectado com essa dimensão anteriormente quando outros me comunicaram.

De qualquer forma, esta data marca um episódio triste da história de nosso país e que exatamente para não se repetir novamente precisa não apenas ser lembrado como falado, gritado!!!! Até porque senão algumas pessoas distraídas, como eu, correm o risco de passar batido, deixando de também serem porta-vozes de uma violência que foi vivida naquele período, inclusive para cobrarmos que o Estado reconheça sua ação violenta em milhares de pessoas e se responsabilize de alguma maneira por isso, como vem ocorrendo cada vez mais após a pressão da Comissão da verdade e da justiça e outros.

Assim, de maneira mais formal, nossa sociedade precisa reconhecer que esse episódio aconteceu (tem gente que não acredita ou não entra em contato com o tamanho da barbárie realizada na surdina), que nessa época os direitos humanos foram feridos, pessoas foram violentadas, mortas e se sobreviveram foram marcadas não apenas no corpo, mas principalmente nas almas como também famílias foram desestruturadas, mentes perdidas, manifestações e expressões reprimidas, ações do Estado deturpadas, perpetuadas, naturalizadas e por vezes, defendidas, e atualmente aclamadas novamente (pasmem!).

Em meio a esse meu 1° de abril, meu dia de brincadeiras e pensamentos sérios, me coloquei no lugar da criança que brinca com aquilo que mais deseja (uma piscina de sorvete) bem como com seu maior medo (que os pais morram) e fiquei também imaginando que a manchete de jornal: "31 de março: aniversário de 50 anos do golpe militar no Brasil" poderia ser também uma grande 'troça' do dia 1° de abril!!!

Seria bom se esse desejo infantil correspondesse à realidade...

Mas como não, vamos tratar o assunto com a seriedade que ele merece, nos povoando de outras imagens mais realistas e construtivas como, por exemplo, da cena de um aluno, nesse mesmo dia, indo embora mais cedo da escola, porque seu avô seria homenageado em Santos. Quando indagado pelas professoras sobre o motivo da homenagem ele, com seus 5 anos, disse: "Porque meu avô foi preso".

Para mim, como educadora, mãe e cidadã sinto um compromisso grande em falarmos a respeito e construirmos uma sociedade mais justa para que as crianças dessa geração cresçam com a consciência de que o foi feito naquela época (e em parte, ainda em tempos atuais) não pode acontecer mais e principalmente que se temos um pouco mais de liberdade e possibilidades maiores é porque MUITOS homens e MUITAS mulheres lutaram para isso. Isso sem mencionar que as torturas realizadas nesse período era muito piores com as mulheres.

Nessa direção, é com grande esperança que tenho visto mais espaço nas mídias para o assunto e assim ouvido cada vez mais sobreviventes dessa época falarem sobre suas experiências, dando, mais uma vez e mesmo após 50 anos, o verdadeiro sentido ao que viveram.

Ditadura: basta!




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