Flavia também é educadora e escritora tal como ela, profunda, sensível e apaixonante. Aqui, vou compartilhar alguns trechos de relatos dessa super mãe durante essa última saga que foi vencida... Um verdadeiro privilégio poder acompanhar essa história e aprender com essa relação como com a maneira como ela lida com o processo das coisas, com as pequenas grandes vitórias e com tudo e todos que estão ao seu redor, mostrando que há muita vida entre as paredes e cortinas do hospital e para além delas...
8 de julho
Hoje o Dan será internado para nova troca de remédios. Foram dois anos tentando ajustar a dose dos remédios, sem muito sucesso.
A esperança é que esta nova troca deixe o Dan menos embotado e com as crises mais controladas.
Vamos em frente! E vamos torcer para que a troca aconteça de forma tranquila e meu bonitão fique mais presente na vida!
Vou dando notícias!
27 de julho
Completamos uma semana com o remédio novo e vinte dias de internação. Dan esteve alguns dias mais sonolento, mas parece ter assimilado bem a dosagem inicial (...). O equilíbrio químico é muito difícil! E não tem receita pronta, é tentativa e erro até acertar! Vamos em frente!
Beijos com carinho!
6 agosto
Pessoal, muitas orações! Provavelmente o Dan engasgou com comida, broncoaspirou e está internado na UTI em estado grave. Está entubado e sedado.
12 agosto
Eu acho que eu nunca passei por uma situação tão difícil. Sei que tem um lado bom (que é o da melhora do Dan), mas é muito difícil vê-lo mais acordado e, portanto, mais incomodado com a intubação. Sei que é uma fase passageira e necessária, mas é muito difícil!
Apesar disso, as notícias são muito boas! (...) A fisio até acenou com a possibilidade de extubação amanhã!
Eita menino valente!
18 de agosto
Mais outra conquista! Alta da UTI! Dan já está em um quarto da semi-intensiva! Viva.
22 de agosto
As portas do segundo andar do hospital têm uma pequena janela que permite a rápida visualização do interior do quarto, impede que uma trombada entre pessoas que entram e saem ocorra e possibilita a observação do fluxo do corredor e movimentação do quarto da frente. E assim foi.
Observava o entra e sai. E me indignava com as luzes acesas durante a madrugada e os atendimentos médicos sem hora, nem respeito ao descanso do paciente. Afinal era um senhor que convalescia dentro daquele quarto! Via-lhe somente as pernas, finas e compridas e, pela aparência da pele, era possível supor que se tratava de um idoso.
Passava o dia cercado de familiares. Por vezes, um rapaz que não pertencia à família, pois não era oriental. Muitas vezes o filho, filhas, esposa, netos... Todos orbitavam em torno do patriarca. Era bonito de acompanhar! Ele não ficava um dia sequer sem pessoas que o amavam por perto.
Raramente eu deixava a porta do quarto do Dan aberta, mas qua ndo saía para o corredor (a porta do quarto da frente estava quase sempre aberta), podia ver suas pernas, os familiares no sofá, a entrada dos fisioterapeutas, enfermeiros e médicos e via, na frente da grande janela do quarto, inúmeras dobraduras de papéis coloridos. Imaginei que se tratassem de tsurus, a ave sagrada dos japoneses e que significa muitas vezes, saúde. Era bonito ver a alegria discreta que saia do quarto da frente.
Certa manhã, deixei a porta do quarto do Dan aberta. Meu olhar cruzou com o das duas mulheres que via com maior frequência e que, naquela hora, estavam no corredor. Elas, educadamente, me cumprimentaram. Devolvi o bom dia e facilmente começamos a conversa. Eram as filhas do senhor que se recuperava de vários dias de internação na UTI, depois de um derrame cerebral. Ele estava recebendo alta hospitalar naquele dia. Convidei-as para entrarem em nosso quarto e conhecerem o Dan com seu rádio e sua escultura de fita crepe. Trocamos breves histórias sobre nossas vidas e internações dos nossos queridos.
Através da pequena janela da porta, acompanhei a movimentação no quarto da frente. Não queria perder a saída de meus vizinhos de quarto, pois queria desejar-lhes felicidade e dizer o quanto havia sido tocante ver aquele senhor sempre tão rodeado de afetos e filhos, que ele deveria ser um grande homem.
Vi as despedidas com a equipe de enfermagem e abri a porta para falar com eles. Pela primeira vez vi o rosto do senhor magro e ainda abatido. Uma de suas filhas veio em minha direção, desejei-lhe felicidade e quando ia falar sobre o grande homem que deveria ser seu pai por todo o carinho que o rodeou naqueles dias de internação, ela me surpreendeu com um chocolate para o Dan e a conversa tomou outro rumo diante da gentileza.
Foram embora. Alegres com as conquistas do velho pai. Fiquei com minhas palavras presas na garganta e diante da impossibilidade de dizê-las às filhas do senhor, digo aqui para que nova chance não seja perdida, para que as boas palavras e os gestos de afeto permeiem os nossos dias.
24 de agosto
Alta.
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