terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

É tempo de crise, é tempo de carnaval !!!

Outro dia, ao conversar com um amigo, entramos num consenso sobre muitas coisas erradas presentes em nossa realidade brasileira, e discordamos muito sobre algumas formas de lidar com elas.

Ao seu ver, por exemplo, as ruas estão tomadas por bandidos e ficamos coagidos de nos movimentar pela cidade. Realmente há tempos São Paulo possui um alto índice de violência, o que exige de nós, moradores, certos cuidados e quando virei mãe redobrei alguns deles. No entanto, não me sinto presa nesse cenário. A cada novo acontecimento que me choca (muitos, infelizmente passam despercebidos por mim diante da banalização da grande mídia e de nossa rotina corrida), saio de casa diferente, às vezes até mais ressabiada, mas não deixo de sair, muito menos de acreditar que as coisas podem melhorar.

Acredito que junto do poder público nós também temos responsabilidades em transformar esse cenário, e uma das maneiras possíveis é justamente ocupar os espaços públicos, ressignificando-os paulatinamente bem como nossos modos de vida ao interagirmos com cada um deles.

Em outra ocasião, ao falar sobre isso com uma amiga ela concordou com essa ideia, entretanto, no meio da conversa, quando me disse que não deixava a filha adolescente fazer um curso próximo à sua casa, porque teria que ir sozinha me propus a pensar junto algumas opções para solucionar o impasse, ao que ela me respondeu prontamente: "Que façam isso com os filhos dos outros e não com os meus". Entendo seus medos, são também os meus como mãe, mas acima de tudo, até o momento, minha crença na importância de nossa busca por outros modos de viver em grupo, meu desejo em criar meus filhos sob outras perspectivas, maiores, libertadoras, sem virarem reféns de uma sociedade doente como também minha fé na vida têm possibilitado que eu me movimente, ainda que devagar, nesse longo percurso que é andar na contramão na maré ou totalmente à deriva como já escrevi outras vezes por aqui.

Em tempos de carnaval (adoro!) poder viver essa manifestação de nossa cultura, resgatando nossas memórias, celebrando com os outros, diferentes/iguais, trata-se de uma oportunidade maravilhosa para experimentarmos encontros efetivos com o outro em espaços públicos de maneira lúdica. Ocupar, brincar, transgredir! Quem disse que uma rua só serve para passagem? Por que ela não pode virar palco de uma grande folia?

"O Carnaval de Roma não é propriamente uma festa que se dá ao povo, é antes uma festa que o povo dá a si mesmo". (Goethe)

Com muita alegria tenho visto os blocos de rua voltarem a crescer em São Paulo nos dando a chance de ocuparmos e redescobrirmos um espaço que é de todos e que pode ser experimentado diariamente dessa forma viva. Pois o contrário é o abandono, caracterizando nossa escolha por vivermos em muros altos e isolados daqueles que nos ameaçam por sua diferença, na ilusão falsa e perigosa de uma segurança como sendo o elemento chave para nossa tão sonhada felicidade.

Assim, foi com muita alegria que recentemente levei meus filhos para pularem carnaval numa praça ao som de divertidas músicas, e com alegria dobrada fiquei ao encontrar gente querida, ao presenciar um clima gostoso entre gente que não se conhece, e ao ensinar meus filhos a fazer uma baguncinha - os três mal acreditaram quando viram que podiam jogar confete em qualquer pessoa: em mim, no Luiz, em estranhos, interagindo naturalmente com todos como sonho que um dia possamos viver nesse clima cotidiano.

As festas populares nos permitem reviver nossas infâncias novamente além de nos lembrarem que somos muitos, que não só é possível convivermos juntos como nossa existência faz mais sentido dessa forma. Apesar de nossas diferenças temos laços que nos unem e nos dão motivos para celebrar! Poder experimentar uma experiência coletiva que afeta minha subjetividade e vice-versa é algo transformador.

É possível, inclusive, brincarmos e protestarmos ao mesmo tempo como, por exemplo, muitas pessoas fizeram recentemente num bloco de rua em defesa da creche da USP que vem sendo ameaçada de fechar. Genial!

MANIFESTAÇÃO – corpo coletivo que acontece a partir de subjetividades. Configura-se, ali, um afeto coletivo! Os afetos individuais decorrem dos afetos coletivos... (Peter Pál Pelbart)

Contudo, é bem verdade que tem gente que abusa da bagunça (confesso que alguns episódios de minha juventude me condenam...) fazendo com que nessas formas "perdidas" e perigosas de se manifestar o sentido desta festa possa vir a se perder, fortalecendo assim discursos reacionários para acabar com essa rica festa popular.

No fundo, sempre fico intrigada com a impossibilidade que algumas pessoas usam como desculpa para não buscarem alternativas aos problemas que são de todos nós numa crença infantil de que o mundo feliz é um mundo sem conflitos, esperando por um mundo ideal que não existe. O que existem e sempre existirão são os conflitos, já que por meio das relações vamos nos descobrindo, construindo e reconstruindo, sendo que estes que muitas vezes são positivos, pois nos trazem a necessidade de nos movermos, nos relacionarmos com os outros, nos posicionarmos e ampliarmos nossos pontos de vistas. Por isso mesmo, precisam ser enfrentados com responsabilidade, sabedoria e criatividade, por nós e pelos governantes, para que diante de cada aspecto possamos avançar, decidindo coletivamente sobre quais limites desejamos em nossa convivência, e dessa maneira os mais jovens tenham a quem se espelhar.

Voltemos ao exemplo simples e intenso que meus filhos viveram num bailinho de carnaval e vamos pensar em quanta coisa importante eles não aprenderam nessa experiência... muitas! E se não for para eles que eu vou ensinar o que julgo essencial, para quem vou ensinar? Só para os filhos dos outros, no meu caso, como professora? Não vejo sentido em meus filhos perderem o que de melhor ensino aos meus alunos, que essa vida é boa demais e precisa ser aproveitada, e o que está errado nela, precisa ser consertado - por cada um de nós, ainda que nos custe muito esforço, tempo e paciência!

Desse jeito, mais uma vez, dou potência aos meus alunos e filhos por confiar que eles conseguirão enfrentar as adversidades da vida, podendo contar com meu apoio - de pertinho ou de longe, dependo do caso, e desfrutar de suas próprias conquistas - que também sempre serão um pouquinho minhas.

Em tempos de crises, a mais urgente em São Paulo, a crise hídrica, também pode ser vista como outro exemplo de que nosso modelo de sociedade não deu certo e precisa ser reelaborado. A questão é maior que economizar água por um período apenas. Temos que repensar nossos valores e escolhas, e sermos muito competentes e solidários em busca de outras soluções para que possamos criar outro compromisso com a natureza, com o mundo, com nossa espécie e as demais.

Até o momento estamos perdidos por ausência de comprometimento das autoridades públicas em terem transparência sobre essa situação, contudo, me anima perceber que ao meu redor tenho visto muita mais gente disposta a buscar outros modos de usar a água do que gente presa à ideia de que apenas os outros devem se mobilizar.

Espero sinceramente que possamos aprender com essa crise (e as outras também) para que elas possam ser encaradas como boas oportunidades de avançarmos como sociedade neste planeta que tem pedido (e merece) nossos cuidados. Quem sabe essa, em especial, marque uma nova etapa de nossa civilidade em São Paulo. Sejamos cada vez mais humanos, só desse jeito nos salvaremos!


Segue um texto precioso de Antonio Nobrega, mestre da cultura popular, que me representa e me ilumina nesses tempos de crise.


"Abri a porta do box para tomar banho e me pus de pé dentro de uma bacia colocada bem embaixo do chuveiro. Abri a torneira e à medida que a água começou a me molhar fui logo xampuando os cabelos. Fechei o chuveiro e ensaboei-me todo. Abri novamente a torneira e enquanto a água escorria pelo corpo e cabeleira (…) retirando a espuma, aproveitei ainda para sabonetar o rosto…
Quando terminei toda a operação vi que a água acumulada na bacia já dava pelo começo da canela e que supriria por duas ou três vezes a demanda de água para usar na privada.
E fui me enxugando pensando-perguntando: se fôssemos educados dentro dessa atitude desde o dia em que tomamos banho pela primeira vez, se aprendêssemos desde muito cedo que os “dons” da natureza não são infinitos e que nascemos para viver gregariamente, não nos pouparíamos, nós a nós mesmos, do vexame que passaremos em breve, ainda nós, os moradores da cafeinada cidade de São Paulo?
Tenho para mim que o caso da água é só mais um sinal de alerta sobre quão perdulária é a nossa maneira de conviver com natureza. Não creio que estejamos usando da melhor maneira possível os recursos de nossa inteligência, pois, ao que parece, inflacionamos desmesuradamente a nossa porção cerebral impulsionadora de atitudes e atos inconsequentes, excessivamente individualistas, estúpidos. No caso da água, é bem verdade que o nosso governador não deveria ter sido tão omisso e incivil. Desmereceu a sua função de guardião do estado e da sua gente. Mas não creio que seja unicamente pela via política que a questão pode ser resolvida.
A questão em jogo é muito maior. É um problema de natureza também conjuntural. Um problema do sistema-mundo em que vivemos. Estamos nos educando muito insatisfatoriamente para o exercício da vida em comum! A educação tal como é modernamente concebida não parece querer levar em conta certos aspectos. Falta-nos dar um sentido maior e integral à palavra educação. Caminhamos bem no quesito educação formal. De uma forma ou de outra – aqui, acolá – ela tem prosperado: aprendemos matemática, geografia, tocar um instrumento musical, a nadar, a passar no vestibular, etc. Mas…
Estou pensando numa educação que, embora converse com essa, a ultrapasse, a transcenda. Estou pensando numa educação cultural, humanística mesmo, aquela que leve em conta valores, visão de mundo, sentimento gregário, planetização, etc., aquela que nos ajude a ampliar, abrir as nossas consciências face aos problemas que, não nos iludamos, se não soubermos tratar, nos levarão à ruína… Estou pensando numa educação que nos faça compreender que somos todos parceiros de uma mesma jornada planetária e que se não nos irmanarmos nessa jornada única – tão bela quanto árdua – estaremos fadados a sermos puxados, irremediavelmente sem retorno e remissão, para dentro da boca do vulcão…Pois estamos ao seu redor…
O mundo tal como o conhecemos está desmoronando. Que mundo queremos e podemos (re)construir? Que outra escala de valores teremos de assentar nessa diferente Escola-mundo que almejamos? Que novos exercícios de humanidade teremos de nos impor?
Eram essas as questões que me invadiam enquanto tomava meu banho matinal com menos de um quinto da água que habitualmente utilizava…"

(Também no blog: http://antonionobrega.com.br/a-agua-e-a-boca-do-vulcao/)


E vamos que vamos, enfrentar as crises, com bom humor...

http://sensacionalista.uol.com.br/2015/01/25/cientistas-descobrem-que-marte-ficou-sem-agua-depois-da-gestao-alckmin/

 

 

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