terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O sentido da escola, o sentido da vida

Na história do Brasil construímos poucas instituições escolares sérias e comprometidas. Por isso mesmo, na maioria das vezes não vivemos 'na pele' boas experiências escolares, o que certamente interferiu em nossas visões a respeito, e consequentemente, em nossas visões sobre o outro, nós mesmos e o mundo. Uma pena. Ainda bem que ela não é a única porta de entrada a experiências transformadoras!

De todo modo vira e mexe alguns de meus amigos me procuram pedindo orientação sobre escolas. Então resolvi contar um pouco a respeito, expondo de maneira breve meu ponto de vista. Sou suspeita para falar sobre escola, afinal, como pedagoga sou uma defensora dela. Escolhi, não como uma missão como dizem 'Alexandres Garcias' por aí, mas como opção de trabalho que no meu modo de encará-lo também tem a ver com minha opção de vida.

Mas vamos lá...

Vejo alguns amigos não colocando os filhos bebês em escolas porque o pediatra não deixou alegando que a criança não vai sair do hospital por conta do grande contato social. Acho mesmo verdade que pelo intenso contato as chances são maiores de ficarem doentes, mas se estiverem num lugar cuidado isso não é determinante. Meus filhos frequentaram meio período desde os 4 meses e nunca foram parar em hospital por conta disso, agora, nesse processo é importante avaliar o lugar e acompanhar como a criança está reagindo.

Outros amigos não colocam em escola, porque querem que alguém da família acompanhe as primeiras conquistas do bebê. Nesse sentido, cada vez mais tenho tido amigas que tem saído do trabalho por conta da maternidade. Ao meu ver, quando essa é uma opção genuína da mulher trata-se de uma atitude louvável e até mesmo revolucionária em nossa sociedade contemporânea. Já no caso da mãe precisar/querer voltar a trabalhar, cá entre nós, ela pode tanto ouvir de algum familiar ou da professora sobre a conquista que de todo modo ela vai sentir uma alegria imensa como também uma culpa danada - seu desafio será lidar com essa condição da melhor forma possível, porque em geral, acredito que quando estamos bem, nossos filhos ficam também.

Há os que colocam, mas com pena. Sinceramente não acho que um bebê precisa frequentar a escola desde bebê, mas no caso de ser necessário para a família, encontre uma escola bacana e comemore, porque ele vai ter muito mais a ganhar do que perder.

Vejo também amigos 'ralando' um monte para pagar escola para os filhos quando algumas escolas públicas são muito mais grandiosas que algumas particulares.  Minha gente, fujam de 'escolinhas', elas cobram caro e prestam um serviço aquém do que uma criança merece, a pública faz parte de uma rede, tem estrutura, equipe formada com capacitação frequente e tem fiscalização. Qual é o verdadeiro problema que alguns dos meus amigos apontaram nesse caso? Se misturar! Ora, mas a mistura deve ser um princípio de toda escola: lugar de gente, de raças, crenças, classes sociais diferentes. Este é um dos únicos pontos que sinto falta na escola em que trabalho, por ela ser particular. Mas justamente por isso, procuramos cuidar para promover outros encontros nesse sentido. Viva a diversidade, e melhor lugar para se aprender isso é na escola, o primeiro espaço público que a criança frequenta na vida. Um espaço público que é transitório, de preparação, mas também de vida em si, cuidada e potencializada. Um espaço da criança.

Amigos que acham normal e fofo chamar a professora de tia e não pelo seu nome... TIA não! Somos professoras, pedagogas e/ou educadoras. Não somos missionárias, temos formação e somos trabalhadoras, queremos e merecemos esse reconhecimento que também precisa vir via uma melhor remuneração. Ser chamada de tia desvaloriza nosso trabalho, por isso, se infelizmente a escola de seu filho ou sua filha ainda chama as professoras de tias e ela tem outras qualidades que compensam, por favor, mesmo assim chame a professora pelo nome dela e aproveite para parar de colocar diminutivo em tudo que faz parte do universo infantil (escolinha, amiguinho, trabalhinho...).

Outros acham que as crianças tomarem banho de sol por 15 minutos é suficiente (como diz o Luiz até presidiário tem direito a mais tempo ao ar livre) - o normal é que as crianças tenham muito tempo para brincadeiras e pesquisas exploratórias e quanto mais em contato com a natureza melhor.

Amigos que não sabem (absolutamente normal não saber disso, eu só sei porque estudei essa questão!) que na educação infantil, principalmente, não é necessário investir em lições e formalizações da alfabetização muito menos em outros aspectos (outro dia vi uma escola de educação infantil fazendo propaganda de 'educação robótica e financeira'!!!). Importante mesmo, nesse momento, é uma vivência intensa das crianças nas diversas situações reais de uso da língua além delas poderem expressar-se em linguagens diversas sendo acompanhadas por um professor que lê suas pesquisas para alimenta-las. No primeiro ano do ensino fundamental as crianças já presenciaram muitas ações sobre as práticas de escrita e leitura e elaboraram suas hipóteses, sendo que na escola deve-se potencializar essas situações ao planejar e criar propostas formais do uso da língua, construindo um repertório comum de nomes e refletindo sobre nosso sistema alfabético para paulatinamente cada criança avançar com seus recursos e seu tempo.

Escola em período integral exige uma grande reflexão e maior comprometimento com a escola que não precisa oferecer mil e uma atividades, e sim um tempo a mais para a criança ampliar suas possibilidades. Outro dia uma amiga me contou orgulhosa que paga cursos extras para a filha fazer durante o próprio horário de aula e achei esse esquema sem sentido, afinal, ela paga por dois cursos no mesmo horário além de me parecer que nesse caso a criança não aproveita intensamente nem um nem outro, e cá entre nós, viva o tempo livre, o tempo da experiência, o tempo com tempo, o tempo de ser criança!!! As crianças atualmente andam com a agenda lotada, cansadas, estressadas.

Preocupações com vestibular quando bebês, socorro! Tudo ao seu tempo. Por isso escolhi a concepção construtivista, porque procura respeitar o tempo de aprendizagem de cada criança. O cuidado é que tem escola que se diz construtivista e não é, na verdade abandona a criança com suas hipóteses sem propiciar vivências de referências e ampliações. Por outro lado, tem algumas escolas tradicionais, sérias, que por serem tão cheias de referências algumas vezes ajudam bastante seus alunos. O mais importante é buscar escolas comprometidas com as histórias de seus alunos e alunas que não mate o que está por vir de cada um deles. Há tanta boniteza em cada criança, ela precisa ser vivida, sentida, e no seu devido tempo será aflorada.

Também vejo meus amigos em busca de uma escola perfeita, pois sinto informar, não existe. Também não existe um modelo único como excelência, até porque somos diferentes então a escola também precisa ser em parte ajustável aos seus alunos. Aliás é importante considerar o quanto a escola tem escuta para os pais que contribuem de maneira positiva para a formação das crianças e da comunidade,  e o quanto busca o encontro com cada um e com todos.  Assim, em cima dos critérios que julgamos importantes buscamos aquelas que nos satisfazem, que nos deixam tranquilos e seguros, e no decorrer dessa parceria positiva vamos nos colocando para promover avanços em nossas relações e nas estruturas da escola. Quer exemplo melhor para nossos filhos aprenderem nos vendo construindo juntos com a equipe escolar um modelo de espaço educativo? Ressaltando que como toda relação trata-se de uma construção constante. Se está aflita, insegura, insatisfeita, busque os canais apropriados e de um jeito positivo coloque suas questões para tentar em parceria encontrar algumas soluções.

Nesse tempo de início das aulas, sugiro aos meus amigos e amigas que mesmo já tendo escolhido há tempos a escola de seus respectivos filhos repensem a relação que vem mantendo com esse espaço e se esforcem para aproveitar ao máximo dessa vida coletiva. Por exemplo, não façam visitas surpresas à escola para conferir se as crianças estão bem - a confiança do adulto por aquele espaço precisa ser construída em cima de outras maneiras como com conversas com equipe, porque disso depende que a criança se sinta segura. Se necessário, para que a criança fique bem nesse espaço, fique por um tempo de adaptação e, aos poucos, sinta-se segura para enfrentar os novos desafios.

Nesses momentos, não tire fotos da criança quando ela estiver envolvida numa atividade na escola, pois no caso de ser necessário o adulto ficar ali lembre-se que está lá apenas para ajudar a criança a ficar bem naquele ambiente; tirar fotos, conversar, se oferecer para ajudar ao invés de encaminha-la para um adulto da escola tira a potência da criança de que ela é capaz de lidar com uma nova situação. Hoje em dia a maioria das escolas tem disponibilizado fotos em seu site - tomando os cuidados em expor demasiadamente as crianças. Se na escola de seu filho ou sua filha não tem, vale esse pedido. Não de relatório completo prestando conta, mas a escola tendo a responsabilidade de ampliar olhares de todos sobre o que de essencial se vive naquele espaço. Por exemplo, no primeiro dia de aula da minha escola o mural estava repleto de fotos e dizeres sobre o cuidado de toda equipe com essa chegada dos alunos e alunas, assim tinha funcionário varrendo, organizando as salas, professores fazendo reuniões, estudando, planejando, organizando o espaço. Na semana seguinte trocamos as imagens por outras que contassem dessa chegada efetiva, os abraços de crianças em seus pais, os primeiros olhares para a nova professora, as primeiras brincadeiras. Dessa forma, instaura-se no ambiente um clima acolhedor e todos, mesmo os que não aparecem nas fotos, sentem-se representados, porque é isso que a escola está declarando.

No caso de um sofrimento grande de nossa parte, é mais produtivo mantermos a pose para a criança e depois, com calma, nos espaços devidos, elaborarmos esse nosso sofrimento seja de não confiar seja de se sentir preterido na vida do filho que está crescido e não precisa mais tanto da gente e se envolve tão facilmente com outros adultos. Essa é mais uma maravilha que esse espaço proporciona às crianças: um espaço dela no qual as relações e tudo mais será construído a partir de seu próprio investimento, e consequentemente a maravilha para a gente - que também aprende nesse processo, é comemorar as conquistas de nossos filhotes, cada vez mais capazes, potentes e felizes.

Nesse tempo de adaptação que ano a ano é de um jeito, porque vamos nos transformando, é bom lembrar que é um tempo de chegada que é de todos nós e que vale ser cuidado... e aproveitado! Para que seja um processo de alteração quando a partir da minha relação com o outro nós nos alteramos.


"Processo de adaptação, nunca termina, está reiniciando-se sempre. sempre envolvido pelo medo do novo, que mexe com um pedaço meu que começa a nascer. Esconder-me, lamuriando-me ou vangloriando-me de tudo que já sei, fugir..., não levará ao enfrentamento das dores das contrações que o parto provoca.

Às vezes, faz-se necessária a intervenção de um bisturi afiado de educador, uma cesárea... para a vida, um novo conhecimento nascer.

Toda essa dor, toda essa ansiedade, esse medo traz a alegria, a emoção e o prazer de ver a cara da criança. Ter o recém-nascido, o novo conhecimento nas mãos." (Madalena Freire)


Esse trecho é maravilhoso por um monte de motivos, mas um deles, em especial, quero chamar a atenção: precisamos ajudar as crianças a aprender que para algumas aprendizagens, é necessário esforço! Estamos vivendo um tempo, em que tudo parece acontecer de forma instantânea, quase mágica, e na maioria das vezes sem esforço perceptível. Com isso, a ideia de processo, de conquista, de empenho está enfraquecida. Precisamos ajudar as crianças a construir essa noção e temos, no processo de aprendizagem e na construção das relações criança/criança, entre o grupo, criança/professor, família/escola, ótimas oportunidades para isso.

Por fim, compartilho um vídeo sensacional de um astrofísico renomado Neil de Grasse Tyson que responde a um garoto de 6 anos uma das maiores questões da humanidade de um jeito simples, profundo e maravilhoso: "Qual o sentido da vida?". Para a gente pensar que tipo de escola queremos e qual educação faz a diferença na vida de nossas crianças (seja na escola ou em casa).

Eu já escolhi, e a cada dia que me encontro na escola seja como pedagoga seja como mãe me delicio com os sorrisos, perguntas, ideias, gestos e afetos de meus alunos e filhos.


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