sábado, 24 de outubro de 2015

Dia das crianças na roça


Um encontro.
Bebel e o Louva a Deus.
Um humano e um bicho.
Um ser e outro ser.
Olho no olho.
O mundo em suspenso e ao mesmo tempo fervilhando.
Vida, muita vida.

Nesse encontro diversas reações de ambos os lados...

Bebel se surpreende, chega perto, o bicho pula, tenta escapar, ela vem em minha direção com receio. Me aproximo do bicho e converso com ele e aos poucos os dois se tranquilizam. Quando ele aceita meu convite para subir na folha rapidamente Bebel quer segurá-lo. Ela toma cuidado e também lhe dirige palavras, de maneira cada vez mais espontânea, as quais seu novo amigo ouve com atenção.


Essa relação intensa chama a atenção dos irmãos que logo começam uma disputa para segurarem o bicho. Novamente o Louva a Deus tenta escapar daquela briga que não é dele, mas não consegue devido a destreza de Mateus.

Novamente faço uma intervenção pedindo para colocar o bicho na pedra até ele se acalmar enquanto peço para Bebel contar sobre o que já havia descoberto: "Ele tem que ter cuidado, ele também tem medo". Assim, com olhos investigativos meus pequenos observam o "Louca a Deus" como Carol o chama. Risos meus e de Mateus. Ela não entende nossa reação, e continua sua pesquisa: "Ele tem medo?", e Isabel continua: "Tem, ele pula assim ó, voando". Mateus pede precisão: "Ele pula ou voa?". "Ele pula", Bebel responde, sem muita convicção. "Eu quero que ele pule", fala Carolina e começa a fazer movimentos bruscos para ele se movimentar, dando gargalhadas enquanto Mateus se enfurece porque ela está espantando seu foco de observação: "Para de fazer isso que eu estou vendo ele, olha, ele tem olhos e boca". Carol continua a querer colocá-lo em ação, Bebel cai no choro pelo amigo em risco, o que ela não sabia ainda é que ele não é bobo e logo foi-se embora desse trio agito.

Busca ao bicho. Quando o achei fiquei em dúvida se mostrava ou deixava o bicho seguir seu caminho, mas eles estavam tão preocupados que resolvi mostrar, pedindo cuidado e aproveitando para conversar sobre camuflagem, pois o bichinho estava numa folha tão verde quanto ele. Mateus fez muitas perguntas a respeito, mas logo outra coisa chamou sua atenção, e lá se foi ele em suas explorações na roça. Já minhas meninas continuavam por ali inconformadas com o bicho preferir ficar na folha da árvore à folha seca que elas estavam lhe oferecendo como lar. Por fim, mais uma vez, ele demonstrou inteligência ao perceber que era melhor aceitar logo o convite para depois seguir sua vida em paz. Assim, elas puderam terminar a conversar com o amigo, mostrando para com ele bastante curiosidade e cuidado, e recebendo de volta o mesmo.

Sem dúvida, um encontro.



Um tempo depois Mateus encontrou um bicho morto, uma pequena mariposa, já seca e anunciou a todos. Carolina se mostrou indignada: "Isso não é bicho", uma vez que ela havia acabado de conhecer um, com toda sua vitalidade! Mateus lhe contou que este já havia morrido e ela continuou a negar, a dizer que tratava-se de folhas. "Quer ver?", ela perguntou e logo começou a despedaçar "geral" o pobre bicho morto.


Diante da cena forte, Mateus demorou para se reorganizar mas logo voltou a afirmar: "Era um bicho morto sim. Mas agora é um bicho em folhas".



Na cascata, esse lugar de tantas memórias minhas de infância, uma verdadeira nascente de pesquisas e interações, Carol e Bebel começaram uma brincadeira que Mateus já havia inventado da outra vez, a qual ele chamara de "vômito" - mas elas não a chamaram assim. A brincadeira consistia em colocar folhas no cano para entupi-lo por um tempo até o tal vômito acontecer, seguido de risos, comemorações e um "de novo?".

A brincadeira durou um tempo e teria durado mais, se não fosse interrompida pelo Mateus e seu brinquedo de jogar água... nelas!!! Elas até tentaram também jogar nele, mas foi uma disputa desleal como são tantas entre os irmãos...


As duas ficaram irritadas e resolveram caminhar. Sábia decisão.

Fiquei um tempão contemplando suas andanças, encantada com suas explorações. Cada animal que conheciam ou reconheciam ou elemento que encontravam desde paus, folhas, pedras, areias, estercos eram motivos para interagirem tocando, cheirando, disputando, compartilhando... E principalmente a maravilhosa oportunidade em terem um espaço e tempo à disposição, para ser experimentado de forma diferenciadas única!

Um mundo que cabe na palma da mão.
Um mundo que é maior do que o meu coração.
Um tempo que passa num segundo mais duradouro de todos.
Um tempo que dura uma eternidade mágica.
Uma brecha no tempo e espaço.
Uma brecha para vivermos nossos mundos e nossos tempos, de um outro jeito. 


Mateus foi atrás delas e o que poderia ser um problema, virou a solução, porque agora os três estavam juntos para molharem a mim e ao Luiz!

Que lindeza ver meus pequenos desenvolverem esse sentimento de irmandade. Brincar e brigar são os eixos fundamentais que regem essas relações e fazem essa construção ganhar um sentido especial, de companheiros que se formam para toda a vida.



Depois de um tempo, Mateus resolveu jogar bola (que novidade!) e as duas foram em busca dos cachorros, mas ao encontrá-los ficaram insatisfeitas: "Cadê os pequenininhos?", e levei um tempo para entender o que estavam dizendo - as crianças guardam sempre um sentido em tudo que fazem, pensam e sentem, mas nem sempre conseguimos nos sintonizar com elas. Ganhamos todos quando o fazemos! - até que me lembrei que na última vez que estivemos ali os dois eram bem filhotinhos, principalmente o Chocolate, o preferido delas.


Nesse momento me dei conta de que fazia um tempão que não viajávamos para lá "por que demoramos tanto?" me perguntei. Percebo então que isso acontece com tantas coisas em minha vida: com o tempo, deixar de fazer o que gosto... Sorte ter a oportunidade dessa conversa para tomar dimensão dos caminhos que venho trilhando, poder rever algumas de minhas escolhas.

Precisei explicar muitas vezes para Carol e Bebel que tratavam-se dos mesmos cachorros, mas que eles haviam crescido tal como elas. Demorou muito tempo para que aceitassem essa ideia e se entregassem novamente a essas relações, especialmente com Chocolate que desperta nelas afeto e medo por suas mordidas de brincadeiras.



A alegria de meus filhos ao chegar à roça foi enorme, de emocionar. Mas dessa vez estranharam muito: "Mas cadê as outras pessoas?". Bonito de ver como associam o lugar a quem faze parte dele. 

Para mim, a vivência nesta casa foi uma de minhas primeiras oportunidades de experimentar uma experiência comunitária para um pouco além da família, pois apesar de ser do âmbito familiar ela incluía outros parentes e gente diferente que circulava por ali. Esse exercício importante (e desafiante!) continua até hoje quando temos que conviver nesse espaço, compartilhar impressões e tomar decisões.

Numa horinha de descuido, minhas meninas foram até o telefone e ligaram para todos, um por um para convidá-los a participar de uma festa na roça. E realmente elas têm razão: esse espaço cheira festa! Acho que por causa do contato íntimo com a Mãe natureza a gente se sente o tempo todo inspirado a celebrar a vida.



"Enquanto as outras pessoas não chegam que tal uma passadinha no balanço?", logo elas aceitaram meu convite.  "Mais alto", "Segura na barriga e solta", "Quero ir sozinha", "Me empurra", "Olha o que eu tô fazendo!", "Quer que eu te rode? Eu rodo você fraquinho...", "Eu já cresci, já consigo ir lá no alto", "Eu tô virada", "Isso é muito divertido!", "Eu vou pegar o céu", hahahahaha.


Cresci nesse balanço. Quantas vezes quando menina falei as mesmas coisas que elas, principalmente que ia segurar o céu, nesse ir e vir do meu corpo brincando com o vento?

O tempo me intriga, pois me provoca muitos tipos de pensamentos, sentimentos e reações. Essa cena, por exemplo, representa esse misto de emoções. Nela, tive a grata surpresa de perceber como minhas meninas cresceram, ao ver as coisas que já está conseguindo fazer sozinhas e suas animações por perceberem suas conquistas, medo enorme por perceber como passou tudo rápido, felicidade por ter feito parte disso tudo, de suas histórias assim como elas da minha, e nao deixei de sentir, incoerentemente, uma pontinha de desejo de que o tempo passe rápido porque fico curiosa para ver as mulheres que se tornarão.

Me veio agora a imagem da última cena do livro "O menino maluquinho" quando defendendo o gol, ele segura a bola pra cá, pra lá, de todos os jeitos possíveis e impossíveis, e a única coisa que no fim ele não consegue mesmo segurar foi o tempo. Tal como eu não segurei na minha meninice e nem vou consegui-lo fazê-lo pelos meus filhos.



E então vovô chegou! Ele que inspira e respira essas terras, que construiu história nesse lugar, que deixou suas marcas aqui assim como possibilitou que esse lugar deixassem marcas profundas em nós, em nossos modos de enxergar o mundo e vislumbrar outros. 


Quem lembra como era esse lugar antes e hoje o vê tão cheio de árvores, flores, animais, cantinhos, tão mais vivo, tão mais bonito só pode acreditar na força de nossos pensamentos, sentimentos e ações para criar outras realidades melhores! Meu pai me ensinou essa coisa mais importante na vida e que ninguém me tira: acreditar em tempos melhores.

Nesta imagem, lá está ele fazendo novas criações: escadas para suas princesas caminharem...


E assim (ainda bem) seu Parreirinha continua animando as novas gerações a apropriarem-se de tudo que esse espaço oferece com fartura, seus frutos! Pitangas, amoras, coquinhos, jabuticabas...


E João Pedro também chegou junto com mais um monte de gente querida! A aventura das crianças estava garantida com um monte de coisas a desbravar.


As aventuras entre os primos estavam apenas começando... Rolou até uma caminhada à Serra, outro lugar fundante de minhas memórias, com direito a uma parada no bambuzal, a casa do Saci para investigações e um lanche. 

Mateus conheceu Saci intimamente por meio das histórias contadas na escola. Sua professora jura que já o viu e desde então ele é um personagem que faz parte de suas reflexões sobre o mundo. Nas férias, teve a chance de ir ao Sítio do Pica pau amarelo e depois de muita dose de coragem abraçar uma estátua, o que desde então lhe conferiu maior ainda proximidade com o ser mistico. Para ele, descobrir que na roça tem bambuzais foi mais uma vez uma maravilhosa oportunidade para relacionar-se com um monte de coisas que envolvem essa questão toda. Na hora, naturalmente sentiu um misto de curiosidade e receio disse, não muito convincente: "Pena que ele não estava lá",...



Agora sim, festa completa! Todos os bisnetos e bisnetas da Bisa Regina juntos!

O encontro em si já pediria uma comemoração, mas foi ainda mais especial porque era Dia das Crianças! Detalhe: com Rebeca e Julio super fofos com a criançada!!! E pensar que parece que foi ontem que eles tinham o tamanho dos meus (quanta coisa aprendi sendo 'tia deles', principalmente que uma família fica mais animada quando tem crianças por perto)... E pensar também que quando eu tinha a idade deles eu vivi a única fase em que não gostava tanto de ir à roça (só se meus amigos viessem também para fazer festa)... Ou ainda que tenho inúmeras fotos com meus primos nessa mesma pose!!!

É mesmo muita história, muita emoção numa foto só!!! 



Para mim e para Luiz a viagem em si já foi o melhor presente que poderíamos oferecer aos nossos filhos. Lá, acabaram ganhando outros dos familiares, e mais uma vez vi o quanto minhas meninas adoram brincar de se arrumar para ficarem como a Bisavó Regina, querida e linda.


Uma paradinha da Bebel para mergulhar em outro presente especial...



E o dia vai findando e chega a hora de comer a pipoca sem igual do vovô! Logo as meninas se rendem ao sono. Mateus e João Pedro ainda tinham um restinho de energia para fazerem um bolo de banana com tio Carlinhos e Sueli...



E para procurarem por sapos e aranhas com suas lanternas. Mas tão logo pararam, ouviram uma história, os dois dormiram e sonharam - como as meninas - que o mundo é mágico.

Só pode ser!


"Sonhos
escritos em versos…
São como bolhas de sabão!
Que levam consigo perfume.
E vão gotejando…
Pingo a pingo,
por onde passa!
Deixando
suavidade ao coração
de quem o lê e o vê!"

Dayse Sene



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