quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Para refletir: André Trindade

Diversas vezes já citei trechos da obra do psicólogo e psicomotricista André Trindade, o qual admiro bastante. Estava mais do que na hora de colocar algum artigo na íntegra para homenageá-lo, para divulgar para quem não conhece e claro, para mais uma vez, refletir a respeito do que ele trata de melhor: o desenvolvimento motor e emocional do bebê. E como abordei na postagem anterior sobre a relação mãe e bebê achei que o texto a seguir seria o mais pertinente para o momento. Aproveitem!

OS SENTIDOS E A RELAÇÃO COM A MÃE 

"O SER HUMANO CONSTRÓI-SE com base nas relações que estabelece com outros humanos. O prazer de evoluir e realizar-se depende da possibilidade de estabelecer vínculos de amor e de cuidados.


Todo bebê quer ser desejado. Essa deveria ser uma condição básica, uma premissa para a procriação. Infelizmente, nem sempre o é.


Entretanto, como disse nos primeiros capítulos desse livro, os pequenos nascem com alta capacidade de sedução e comunicação. Ao olharmos um recém-nascido, somos inundados por emoções de apego. Muitas vezes, também somos tomados por um grande medo de não sermos capazes de cuidar dessa criança e de amá-la, o que gera sentimentos negativos. A maternidade e a paternidade nem sempre representam um 'mar de rosas'. Relacionar-se pode ser difícil, demandar muito investimento emocional e persistência. Junto com o bebê, porém, costuma vir uma grande força vital para os pais, bem como o desejo de realizar a tarefa de criar, de fazer crescer.


Do ponto de vista do recém-nascido, inicialmente tudo é confundido com a figura da mãe (incluindo aí o pai, os irmãos, os cuidadores etc.). 'Durante os três primeiros meses de vida do bebê, supomos que ele ainda não pode, a não ser muito fugazmente, fazer distinção entre seu corpo e o da mãe. Devemos supor também que ele ainda não pode saber que seus sentimentos íntimos são seus mesmo, estão dentro dele. Pode muito bem parecer-lhe que, quando está irritado, o mundo inteiro está zangado' (Osborne et al., 1982, p. 57).


O estado indiferenciado vivido no útero vão, pouco a pouco, transforma-se e, então, ele será capaz de diferenciar cada membro da família.


A comunicação inicial da dupla mãe-bebê é intensa. Uma ligação orgânica e sensorial tende a acontecer para que a mãe possa assumir e responsabilizar-se por seu papel de cuidadora, atendendo o melhor possível às necessidades do bebê. A mãe se utiliza de seus estados sensoriais: sente a temperatura do bebê com a própria pele (melhor do que qualquer termômetro), sente o cheiro de seu 'amorzinho' fungando por todo seu corpo, sente o cheiro de suas fezes e pode até dizer se ele está com frio ou calor, acorda no meio da noite com o mais leve ruído (um mínimo choro) e por vezes sente que o pequeno acordou antes mesmo que ele dê sinal. A respeito do choro, ela pode chegar a identificar diferentes tons e definir diferentes tipos de choro.


Toda uma sintonia pode se estabelecer entre os dois. Não é uma regra, isso varia de mãe para mãe, de filho para filho, mas existe uma tendência nesse sentido.


Entretanto, mesmo as mães mais sensíveis e conectadas não sabem, em determinados momentos, exatamente o que se passa com seu bebê. Nessa hora, é preciso ter calma, pois se trata de uma sensação dinâmica, que pode se modificar.


Há ocasiões em que a mãe é precisa no cuidado, sabe o que seu bebê necessita e quer, reconhece o choro de fome ou incômodo etc.; no entanto, em outros momentos, ela pode sentir-se perdida.


Algumas situações conhecidas podem inibir a tendência à sinotmia. Pode ser o caso de mães que são privadas dos cuidados iniciais de seus bebês, que precisaram ficar em incubadoras ou sob os cuidados médicos. Nesses e em outros casos nos quais o vínculo se interrompe, é necessário ajudar mães e bebês a recuperar a confiança mútua e reestabelecer o contato amoroso entre si.


O bebê, por sua vez, é capaz de captar os estados interiores da mãe e sua personalidade. Ele se vê a partir dos olhos dela, daquilo que ela pensa sobre ele, do que sente por ele e do que quer que ele ele seja. Uma mãe confiante e positiva facilitará o desabrochar de seu bebê - mas sabemos que positividade e confiança não são possíveis em todos momentos.


Esse estado de sintonia vai se modificar. Trata-se de um processo de evolução tanto da experiência corporal quanto emocional. A ausência e a presença da mãe são percebidas pelo bebê e provocam emoções intensas.


O amor absoluto e o enamoramento sublime vividos com ela podem ser substituídos pro zanga, raiva e furor, expressos por meio de choros, enrubescimentos, contorções, esperneios e gritos. Contê-los no colo, embalá-los, acariciá-los, consolá-los com nossa presença física, com tapinhas e nossa voz. Distraí-los ou inibi-los desses sentimentos que, embora difíceis, são necessários: não!


Deixar o bebê chorando sozinho, largado em seu sentimento de abandono, para que ele aprenda por conta própria, acostume-se ou se canse, certamente não me parece uma boa opção. Muitos bebês, por não encontrar respostas para suas expressões de desagrado, acabam tornando-se apáticos, silenciosos, inexpressivos. Alguns podem até demonstrar isso rejeitando o alimento e perdendo peso.


O processo de diferenciação da mãe ocorrerá ao longo da primeira metade do primeiro ano e será vivido pela dupla (criança-mãe) de forma única no que se refere a expressões e tempo.


Nenhuma mãe será capaz de proteger e suprir seu bebê de forma absoluta. É esse vazio criado pela impossibilidade do preenchimento completo, vivido como uma espécie de 'desilução amorosa' pelo bebê, que o impulsiona a evoluir e buscar outras fontes de interesse, descobrir o pai e posteriormente os outros adultos, ir para o mundo."

(In "Gestos de cuidado, gestos de amor. Págs. 58 a 60)

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