domingo, 11 de janeiro de 2015

Lembranças que servem de lição: "Mostra, filha!"

Talvez não quando eu era bem pequena, já que minha mãe vive contando que fui bem moleca, mas a partir do momento que guardo lembranças minhas mesmo, e não a dos outros sobre mim, lembro de ser tímida. Uma timidez de ambiente novo, pois em lugares e com pessoas conhecidas me sentia muito à vontade, que não me paralisava, pois devagarinho ia me assegurando, me soltando, e assim fui criando muitos recursos para lidar com meu jeito. Hoje, por exemplo, vejo que em momentos da adolescência conseguia mascarar minha timidez falando e rindo alto com as amigas.

Voltando às memórias de infância, minha mãe, ao contrário, não é nada tímida e gostava de compartilhar as gracinhas dos filhos para todo mundo e assim, em público, constantemente ouvia: "Mostra, filha! Mostra aquilo que você fez!". Dessas coisas que mães, com a melhor das intenções fazem, e reverberam de jeitos distintos e incontroláveis nos filhos. Tenho a impressão que para meu irmão caçula Gabriel aquela situação nem de longe era desafiante, e com satisfação, fazia todos rirem de suas gracinhas. Já para mim, na maioria das vezes aqueles momentos eram muito difíceis, principalmente quando descontextualizados ("fazer algo por fazer só para mostrar que sei"). Com o tempo fui encontrando maneiras conscientes e inconscientes de lidar com esses momentos como, por exemplo, esconder alguma de minhas descobertas para dividi-las quando eu desejasse. A partir de então era comum minha mãe ficar espantada comigo dizendo para todos num misto de orgulho e ressentimento por não ser a primeira a ver: "Nossa, eu não sabia que a Juliana conseguia fazer isso!".

Por isso e mais um monte de outras razões, frequentemente me pego preocupada com a exposição que esse blog traz à minha vida e principalmente na de meus filhos. Incoerência tamanha, mais uma para minha coleção!

Lembro-me da razão dele surgir: após uma consulta à pediatra do Mateus, na época com 2 meses, em que só falei sobre mim, aos prantos, me dei conta que precisava de um espaço meu para digerir todas as mudanças provocadas pelo seu nascimento e não mais invadir seu espaço. Como estava em licença maternidade e não fui uma mãe que carregava o bebê para cima e para baixo com naturalidade nem que recebia visitas frequentes de amigas com receio de atrapalhar, umas com bebês também, outras nem querendo chegar perto de um, outras longe, na correria de trabalho, enfim, o blog foi uma maneira que encontrei de compartilhar com pessoas queridas as minhas questões como mãe.

E quantas questões! A gente nem faz ideia antes de ser mãe, e quando acha que estamos preparadas, a vida se encarrega de nos mostrar que não estamos prontas,  porque nunca estamos. Faz parte da graça dessa vida, sermos seres inacabados, sempre à mercê de novos desafios, novas surpresas! Nesse sentido, também cheguei a pedir para Mateus mostrar algumas gracinhas... coisa de mãe coruja que só quando a gente vira, entende nossa própria mãe, e morre de remorso e orgulho por ela nos ter como motivo de exibição!

De todo modo, tenho procurado compartilhar apenas as gracinhas de meus filhos que expõem a minha perspectiva de cada contexto e nunca (pelo menos conscientemente) de maneira gratuita, forçada, tendo-os como troféus ou projeções do que não fui. Muitas vezes cheguei a escrever, e depois não vi sentido em publicar, guardando-o em nossa intimidade, para quando eles crescerem lê-los. Importante tentar diferenciar o que cabe ou não compartilhar, o que tem sentido virar público.

Com todas essas, e mais outras, preocupações em mente o blog tornou-se um espaço para eu digerir meu processo como mãe. A escrita para mim tem um poder organizativo por conseguir entrar num nível mais profundo de reflexão sendo também um jeito de eu vencer minha timidez, não me esconder de um percurso tão bonito como ser humanA.


“A beleza é aquilo que você não dá conta de ver sozinho. Ao ver algo bonito demais você logo quer dividir com o outro. A beleza é o que não cabe só em você, é aquela coisa que quando você sente, precisa dar pro outro. Você vê um pôr do sol bonito da janela, vê um quadro no museu, lê um livro e pensa: fulano precisava estar aqui, ou, eu tenho que ler isso pro meu filho. É extremamente triste estar sozinho quando se encontra a beleza.”
                                                           Bartolomeu Campos de Queirós, conferência durante o Simpósio do Livro Infantil e Juvenil, Colômbia-Brasil, Bogotá, 7-9/10/2007


Em meu percurso, ao descobrir as belezas e desafios de ser mãe também ganhei mais prazer em compartilhar com os outros, recebendo de volta todas as também delícias e desafios que todas relações carregam e ganhando consciência de minha, nossa humanidade.

Como escritora de blog foi muito importante tomar clareza de que todas mães, de diferentes contextos, passam por situações semelhantes, de alegrias e angústias, e poder falar disso no blog para desmistificar, denunciar, proclamar, idealizar, resistir e transgredir. Também me foi importante perceber que, ainda assim, agimos de maneiras distintas, pois somos únicas, e precisamos nos respeitar em nossas igualdades e diferenças. Do mesmo modo, trocar emoções com quem não é mãe, porque a questão é maior, não trata-se de um clube fechado, mas de falarmos sobre a vida, o que entendemos dela e como a vivemos, sentimos, sonhamos. Falar sobre minhas memórias, sobre o que me constitui, o que me permite enxergar a vida dessa maneira, e a consciência cada vez mais maior de ter sido amada, cuidada, respeitada, estimulada quando criança, e assim convidar outros a também mergulharem em seus trajetos. Falar sobre ser filha, menina, mulher. Para me conectar, de outro jeito,  com minha mãe, com a mãe de minha mãe, a mãe de meu pai, a mãe da minha amiga, da minha vizinha... com todas as mulheres do mundo, independentemente do tempo e do espaço, com minhas antepassadas, me sentindo parte de uma rede. Uma poderosa rede, transcendental, cheia de símbolos, saberes e mistérios. Igualmente importante foi me conectar com os homens, vê-los mais diretamente por meio dos gestos de meu marido, meu pai, meu filho, e tendo-os como modelos, buscar entender que todos eles precisam também entrar em contato com suas emoções para conseguirmos construir outro modelo de sociedade. Continuar minhas reflexões sobre nosso modo de vida, com suas delícias e desafios, como mulher, cidadã, educadora e agora como mãe. Que sociedade almejo para meus filhos e que filhos deixo para minha sociedade?

Por tudo isso e muito mais, o blog ainda faz muito sentido à minha construção, e por isso está vivo, muito vivo dentro de mim. Ontem, ao me deparar com dois comentários de amigas queridas, Tais e Edna, na postagem "Para quem não acredita... Feliz 2015", pude perceber o quanto também está vivo na vida de outras pessoas. Nesses tempos atuais, esse instrumento é mesmo poderoso, de fazer reflexões e emoções circularem por tempos e espaços que não conseguimos em nossa vida cotidiana.

Em seguida resolvi dar uma olhada se tinha mais algum comentário que passou despercebido e descubro um monte deles! Sinto de tudo... Alegria por me sentir parte de uma rede de pessoas que acreditam na humanidade e na importância de tudo que vivemos ao ver meus sentimentos ecoando em outros, com sentido, e também vergonha por não ter visto antes, não ter dado a atenção devida, ter quebrado a corrente.

Mil desculpas. Já mudei a configuração para receber notificação por email quando esses surgirem. Até mesmo me lembrei de uma postagem que escrevi no comecinho para aquelas pessoas que andavam com dificuldade em postar comentários...rs http://jujuviroumamae.blogspot.com.br/2011/03/para-escrever-comentarios.html

Ao ler esses comentários antigos fui retomando minha história. As primeiras postagens revelam minhas primeiras questões, se Mateus dormia ou não (e consequentemente se eu dormia ou não), se fazia cocô (!), se amamentava e engordava (aliás a postagem "super peitos... ativar!" continua campeã, se bem que desconfio por outros motivos...rs), a chuva de palpites em minhas ações que me deixavam inseguras, incomodadas e gratas (vai entender...), os maravilhamentos com o amor aos filhos que se fortalece a cada dia, as angústias que surgem a cada desafio e a escolha que tem de ser feita para que as crianças sejam respeitadas pelo direito a uma infância plena.

Nessa leitura, também pude retomar as histórias de outras pessoas, principalmente por meio da coluna "seja bem vindo". Emocionante fazer parte disso tudo. Ter o que contar. Ter para quem contar. E agora, ter o que ouvir, ler. Uma troca de experiências que tem me engrandecido muito. Gratidão.

Um dia vou contar a Mateus, Carolina e Isabel sobre esse blog e todas as histórias nele registradas, e espero que eles apreciem e entendam que até esse momento, para eles terem uma mãe sadia na maior parte do tempo, esse espaço foi muito necessário... e gratificante! Se não gostarem, desejo que consigam criar maneiras de lidar com essa questão, assim como eu.

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